1. ENCÍCLICA:
Segundo
o Dicionário de termos religiosos e afins, encíclica é um “documento do papa em
forma de carta dirigida aos bispos e a todos os fiéis, ou inclusive a todos os
homens dispostos a escutá-lo, sobre um determinado tema, geralmente de caráter
doutrinal. Trata-se de documentos pontifícios importantes, embora não tanto
como as bulas ou as constituições apostólicas.”1
2. Está
encíclica do papa Francisco, saiu publicada em Roma no dia 18 de junho de 2015
e, segundo divulgou a CNBB, no mesmo dia, trata “da ecologia humana e do
clima”. Além disso "são apontadas as problemáticas e desafios de preservação, como também aspectos da proteção à criação e questões como a fome no mundo, pobreza, globalização e escassez".
3.
O NOME: "O papa explicou que o nome da Encíclica (Laudato Si) foi inspirado na inovação de São Francisco "Louvado sejas, meu Senhor", que no Cântico das Criaturas recorda que a terra pode ser comparada com uma irmã e uma mãe."
“Um olhar por inteiro
«Que tipo de mundo
queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?»
(160). Este interrogativo é o âmago da Laudato si’,
a esperada Encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum.
Que prossegue: «Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira
isolada, porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária», e isso conduz
a interrogar-se sobre o sentido da existência e sobre os valores que estão na
base da vida social: « Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e
lutamos? Que necessidade tem de nós esta terra?»: « Se não pulsa nelas esta
pergunta de fundo,– diz o Pontífice – não creio que as
nossas preocupações ecológicas possam surtir efeitos importantes».
O nome da Encíclica
foi inspirado na invocação de São Francisco «Louvado sejas, meu
Senhor», que no Cântico das criaturas recorda que a terra, a nossa casa
comum, « se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência,
ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços» (1). Nós mesmos «somos terra
(cfr Gen 2,7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar
permite-nos respirar e a sua água vivifica-nos e restaura-nos» (2).
Agora, esta terra
maltratada e saqueada se lamenta e os seus gemidos se unem aos de todos os
abandonados do mundo. OPapa Francisco convida a ouvi-los, exortando todos e
cada um – indivíduos, famílias, coletividades locais, nações e comunidade
internacional – a uma «conversão ecológica», segundo a expressão de São João Paulo II,
isto é, a «mudar de rumo», assumindo a beleza e a responsabilidade de um
compromisso para o «cuidado da casa comum». Ao mesmo tempo, o Papa Francisco reconhece que se nota « uma crescente
sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza, e cresce
uma sincera e sentida preocupação pelo que está a acontecer ao nosso planeta. »
(19), legitimando um olhar de esperança que permeia toda a
Encíclica e envia a todos uma mensagem clara e repleta de esperança: « A
humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa
comum. » (13); «o ser humano ainda é capaz de intervir de forma positiva »
(58); «nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo
da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se
» (205).
O Papa Francisco se dirige certamente aos fiéis
católicos, retomando as palavras de São João Paulo II: « os cristãos, em particular,
advertem que a sua tarefa no seio da criação e os seus deveres em relação à
natureza e ao Criador fazem parte da sua fé » (64), mas se propõe «
especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum »
(3): o diálogo percorre todo o texto, e
no cap. 5 se torna o instrumento para enfrentar e resolver os
problemas. Desde o início, o Papa Francisco recorda que também
«outras Igrejas e Comunidades cristãs – bem como noutras religiões – se tem
desenvolvido uma profunda preocupação e uma reflexão valiosa» sobre o tema da
ecologia (7). Ou melhor, assume explicitamente sua contribuição a partir do que
foi dito pelo «amado Patriarca Ecumênico Bartolomeu» (7), amplamente citado nos nn. 8‐9.
Em vários trechos, o Pontífice agradece aos protagonistas deste esforço
– seja indivíduos, seja associações ou instituições –, reconhecendo que
«a reflexão de inúmeros cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais
que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre estas questões» (7)
e convida todos a reconhecer «a riqueza que as religiões possam oferecer
para uma ecologia integral e o pleno desenvolvimento do género humano» (62).
O itinerário
da Encíclica é traçado no n. 15 e se desenvolve em seis capítulos.
Passa-se de uma análise da situação a partir das melhores aquisições
científicas hoje disponíveis (cap. 1), ao confronto com a Bíblia e a tradição
judaico-cristã (cap. 2), identificando a raiz dos problemas (cap. 3) na
tecnocracia e num excessivo fechamento autorreferencial do ser humano. A
proposta da Encíclica (cap. 4) é a de uma «ecologia integral, que
inclua claramente as dimensões humanas e sociais» (137),
indissoluvelmente ligadas com a questão ambiental. Nesta perspectiva, o Papa Francisco propõe (cap. 5) empreender em todos os
níveis da vida social, econômica e política um diálogo honesto, que estruture
processos de decisão transparentes, e recorda (cap. 6) que nenhum projeto pode
ser eficaz se não for animado por uma consciência formada e responsável,
sugerindo ideias para crescer nesta direção em nível educativo, espiritual,
eclesial, político e teológico. O texto se conclui com duas orações, uma
oferecida à partilha com todos os que acreditam num «Deus Criador Omnipotente»
(246), e outra proposta aos que professam a fé em Jesus Cristo, ritmada pelo
refrão «Laudato si’», com o qual a Encíclica se abre e se conclui.
O texto é atravessado
por alguns eixos temáticos, analisados por uma variedade de perspectivas
diferentes, que lhe conferem uma forte unidade: «a relação íntima
entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está
estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de
poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de
entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido
humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave
responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a
proposta dum novo estilo de vida » (16).
Primeiro Capítulo – O que está a acontecer à nossa casa
O capítulo apresenta
as mais recentes aquisições científicas em matéria ambiental como modo de ouvir
o grito da criação, « transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece ao
mundo e, assim, reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar » (19).
Enfrentam-se assim «vários aspectos da actual crise ecológica» (15).
As mudanças
climáticas: « As mudanças climáticas são um problema
global com graves implicações ambientais, sociais, económicas, distributivas e
políticas, constituindo actualmente um dos principais desafios para a
humanidade» (25). Se « o clima é um bem comum, um bem de todos e para todos »
(23), o impacto mais pesado da sua alteração recai sobre os mais pobres, mas
muitos «daqueles que detêm mais recursos e poder económico ou político parecem
concentrar-se sobretudo em mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas »
(26): «a falta de reacções diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um
sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o
qual se funda toda a sociedade civil » (25).
A questão da água: O Pontífice afirma claramente
que « o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial,
fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e,
portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos ».
Privar os pobres do acesso à água significa « negar-lhes o direito à vida
radicado na sua dignidade inalienável » (30).
A preservação da biodiversidade: «
Anualmente, desaparecem milhares de espécies vegetais e animais que já não
poderemos conhecer mais, que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para
sempre» (33). Não são somente eventuais “recursos”
exploráveis, mas têm um valor em si mesmos. Nesta perspectiva, « são
louváveis e, às vezes, admiráveis os esforços de cientistas e técnicos que procuram
dar solução aos problemas criados pelo ser humano », mas a intervenção
humana, quando se coloca a serviço da finança e do consumismo, « faz com
que esta terra onde
vivemos se torne realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta
» (34).
A dívida ecológica: no âmbito de uma ética das relações
internacionais, a Encíclica indica que existe «uma verdadeira “dívida
ecológica”» (51), sobretudo do Norte em relação ao Sul do mundo.
Diante das mudanças climáticas, existem «responsabilidades diversificadas»
(52), e as dos países desenvolvidos são maiores.
Consciente das
profundas divergências quanto a essas problemáticas, o Papa Francisco se mostra
profundamente impressionado com a «fraqueza das reacções»
diante dos dramas de tantas pessoas e populações. Embora não faltem exemplos
positivos (58), sinaliza «um certo torpor e uma
alegre irresponsabilidade » (59). Faltam uma cultura adequada (53) e a
disponibilidade em mudar estilos de vida, produção e consumo (59), enquanto é
urgente «criar um sistema normativo [...] que inclua limites invioláveis e
assegure a protecção dos ecossistemas » (53).
Segundo capítulo – O Evangelho da criação
Para enfrentar as
problemáticas ilustradas no capítulo precedente, o Papa Francisco relê as narrações da Bíblia, oferece
uma visão global oriunda da tradição judaico-cristã e articula a «tremenda
responsabilidade» (90) do ser humano diante da criação, o elo
íntimo entre todas as criaturas e o fato de que «o meio ambiente é um bem
colectivo, património de toda a humanidade e responsabilidade de todos» (95).
Na Bíblia, «o Deus
que liberta e salva é o mesmo que criou o universo. [...] n’Ele se conjugam o
carinho e a força » (73). A narração da criação é central para
refletir sobre a relação entre o ser humano e as outras criaturas e sobre como
o pecado rompe o equilíbrio de toda a criação no seu conjunto: «Essas narrações
sugerem que a existência humana se baseia sobre três relações fundamentais
intimamente ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra.
Segundo a Bíblia, essas três relações vitais romperam-se não só exteriormente,
mas também dentro de nós. Esta ruptura é o pecado» (66).
Por isso, mesmo que
nós « cristãos, algumas vezes interpretámos de forma incorrecta as Escrituras,
hoje devemos decididamente rejeitar que, do facto de ser criados à imagem de
Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as
outras criaturas» (67). Ao ser humano cabe a responsabilidade de «“cultivar e
guardar” o jardim do mundo (cfr Gen 2,15)» (67),
sabendo que «o fim último das restantes criaturas não somos nós. Mas todas
avançam, juntamente connosco e através de nós, para a meta comum, que é Deus »
(83).
Que o ser humano não
seja o dono do universo, «não significa igualar todos os seres vivos e tirar ao
ser humano aquele seu valor peculiar » que o caracteriza; « também não requer
uma divinização da terra, que nos privaria da nossa vocação de colaborar com
ela e proteger a sua fragilidade » (90). Nesta perspectiva, « todo
o encarniçamento contra qualquer criatura «é contrário à dignidade humana»
» (92), mas « não pode ser autêntico um sentimento de união íntima
com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração
ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos » (91). Necessita-se
da consciência de uma comunhão universal: « criados pelo mesmo Pai, estamos
unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, […]que
nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde » (89).
O coração da
revelação cristã conclui o Capítulo: «Jesus terreno» com
a «sua relação tão concreta e amorosa com o
mundo» «ressuscitado e glorioso», está «presente em toda a criação com o
seu domínio universal » (100).
Terceiro capítulo – A raiz humana da crise ecológica
Este capítulo
apresenta uma análise da situação atual, «de modo a individuar não apenas os
seus sintomas, mas também as causas mais profundas» (15), em um diálogo com a
filosofia e as ciências humanas.
Um primeiro fulcro
do capítulo são as reflexões sobre a tecnologia: é reconhecida, com gratidão, a
sua contribuição para o melhoramento das condições de vida (102-103); todavia
ela oferece «àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder económico
para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do género humano e
do mundo inteiro» (104). São precisamente as lógicas de domínio tecnocrático
que levam a destruir a natureza e explorar as pessoas e as populações mais
vulneráveis. «O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também
sobre a economia e a política» (109), impedindo reconhecer que «o mercado, por
si mesmo[...] não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão
social» (109).
Na raiz se
diagnostica na época moderna um excesso de antropocentrismo (116): o ser humano
não reconhece mais sua correta posição em relação ao mundo e assume uma posição
autorreferencial, centrada exclusivamente em si mesmo e no próprio poder.
Deriva então uma lógica do «descartável» que justifica todo tipo de descarte,
ambiental ou humano que seja, que trata o outro e a natureza como um simples
objeto e conduz a uma miríade de formas de dominação. É a lógica que leva a
explorar as crianças, a abandonar os idosos, a reduzir os outros à escravidão,
a superestimar a capacidade do mercado de se autorregular, a praticar o tráfico
de seres humanos, o comércio de peles de animais em risco de extinção e de
“diamantes ensanguentados”. É a mesma lógica de muitas máfias, dos traficantes
de órgãos, do tráfico de drogas e do descarte de crianças porque não correspondem
ao desejo de seus pais. (123)
Nesta luz, a
encíclica aborda duas questões cruciais para o mundo de hoje. Antes de tudo, o
trabalho: «Em qualquer abordagem de ecologia integral que não exclua o ser
humano, é indispensável incluir o valor do trabalho» (124), bem como «renunciar
a investir nas pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo
negócio para a sociedade» (128).
A segunda diz respeito aos limites do progresso
científico, com clara referência aos OGM (132-136), que são «uma questão de carácter
complexo» (135). Embora «nalgumas regiões, a sua utilização ter produzido um
crescimento económico que contribuiu para resolver determinados problemas, há
dificuldades importantes que não devem ser minimizadas» (134), a partir da
«concentração de terras produtivas nas mãos de poucos» (134). O Papa Francisco
pensa em particular nos pequenos produtores e trabalhadores rurais, na
biodiversidade, na rede de ecossistemas. É, portanto, preciso assegurar «um
debate científico e social que seja responsável e amplo, capaz de considerar
toda a informação disponível e chamar as coisas pelo seu nome» a partir de
«linhas de pesquisa autónomas e interdisciplinares que possam trazer nova luz»
(135).
Quarto capítulo – Uma ecologia integral
O coração da
proposta da Encíclica é a ecologia integral como novo paradigma de justiça; uma
ecologia «que integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e
as suas relações com a realidade que o circunda» (15). De fato, «isto
impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera
moldura da nossa vida» (139). Isto vale, por mais que vivemos em diferentes
campos: na economia e na política, nas diversas culturas, em particular modo
nas mais ameaçadas, e até mesmo em cada momento da nossa vida cotidiana.
A perspectiva
integral põe em jogo também uma ecologia das instituições: « Se tudo está
relacionado, também o estado de saúde das instituições de uma sociedade tem
consequências no ambiente e na qualidade de vida humana: “toda a lesão da
solidariedade e da amizade cívica provoca danos ambientais” » (142). Com muitos
exemplos concretos, o Papa Francisco reafirma o seu pensamento: há uma ligação
entre questões ambientais e questões sociais e humanas que nunca pode ser
rompida. Assim, « a análise dos problemas ambientais é inseparável da análise
dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relação de cada
pessoa consigo mesma » (141), enquanto «Não há duas crises separadas, uma
ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise sócio-ambiental»
(139).
Esta ecologia
integral «é inseparável da noção de bem comum» (156), a ser entendida, no
entanto, de modo concreto: no contexto de hoje, no qual «há tantas
desigualdades e são cada vez mais numerosas as pessoas descartadas, privadas
dos direitos humanos fundamentais» comprometer-se pelo bem comum significa
fazer escolhas solidárias com base em «uma opção preferencial pelos mais
pobres» (158). Esta é também a melhor maneira para deixar um mundo sustentável
às gerações futuras, não com proclamas, mas através de um compromisso de
cuidado dos pobres de hoje, como já havia sublinhado Bento XVI: «para além da
leal solidariedade entre as gerações, há que reafirmar a urgente necessidade
moral de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração»
(162).
A ecologia integral
envolve também a vida diária, para a qual a Encíclica reserva uma atenção
específica em particular em ambiente urbano. O ser humano tem uma grande
capacidade de adaptação e «admirável é a criatividade e generosidade de pessoas
e grupos que são capazes de dar a volta às limitações do ambiente, [...]
aprendendo a orientar a sua existência no meio da desordem e precariedade»
(148). No entanto, um desenvolvimento autêntico pressupõe um melhoramento
integral na qualidade da vida humana: espaços públicos, moradias, transportes,
etc. (150-154).
Também «o nosso
corpo nos coloca em uma relação direta com o meio ambiente e com os outros
seres vivos. A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para
acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo contrário,
uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por
vezes subtil, de domínio sobre a criação» (155).
Quinto capítulo – Algumas linhas de orientação e ação
Este capítulo aborda
a pergunta sobre o que podemos e devemos fazer. As análises não podem ser
suficientes: são necessárias propostas «de diálogo e de acção que envolvam seja
cada um de nós seja a política internacional» (15), e « que nos ajudem a sair
da espiral de autodestruição onde estamos a afundar» (163). Para o Papa
Francisco é imprescindível que a construção de caminhos concretos não seja
enfrentada de modo ideológico, superficial ou reducionista. Por isso, é
indispensável o diálogo, termo presente no título de cada seção deste capítulo:
«Há discussões sobre questões relativas ao meio ambiente, onde é difícil chegar
a um consenso. [...] a Igreja não pretende definir as questões científicas, nem
substituir-se à política, mas [eu] convido a um debate honesto e transparente para
que as necessidades particulares ou as ideologias não lesem o bem comum» (188).
Com esta base o Papa Francisco não
tem medo de fazer um julgamento severo sobre as dinâmicas internacionais
recentes: «as cimeiras mundiais sobre o meio ambiente dos últimos anos não
corresponderam às expectativas, porque não alcançaram, por falta de decisão
política, acordos ambientais globais realmente significativos e eficazes»
(166). E se pergunta: «Para que se quer preservar hoje um poder que será
recordado pela sua incapacidade de intervir quando era urgente e necessário
fazê-lo?» (57). Servem, em vez disso, como os Pontífices repetiram várias
vezes, a partir da Pacem in Terris, formas e instrumentos eficazes de
governança global (175): «precisamos de um acordo sobre os regimes de
governança para toda a gama dos chamados bens comuns globais» (174), já que «”a
protecção ambiental não pode ser assegurada apenas com base no cálculo
financeiro de custos e benefícios. O ambiente é um dos bens que os mecanismos
de mercado não estão aptos a defender ou a promover adequadamente”» (190), que
retoma as palavras do Compêndio da Doutrina Social da Igreja).
Sempre neste
capítulo, o Papa Francisco insiste sobre o desenvolvimento de processos de
decisão honestos e transparentes, para poder «discernir» quais políticas e
iniciativas empresariais poderão levar «a um desenvolvimento verdadeiramente
integral» (185). Em particular, o estudo do impacto ambiental de um novo
projeto «requer processos políticos transparentes e sujeitos a diálogo,
enquanto a corrupção, que esconde o verdadeiro impacto ambiental dum projecto
em troca de favores, frequentemente leva a acordos ambíguos que fogem ao dever
de informar e a um debate profundo» (182).
Particularmente
significativo é o apelo dirigido àqueles que detêm cargos políticos, para que
se distanciem da lógica «eficientista e imediatista» (181) hoje dominante: «se
ele tiver a coragem de o fazer, poderá novamente reconhecer a dignidade que
Deus lhe deu como pessoa e deixará, depois da sua passagem por esta história,
um testemunho de generosa responsabilidade» (181).
Sexto capítulo - Educação e espiritualidade ecológicas
O último capítulo
vai ao cerne da conversão ecológica à qual a Encíclica convida. As raízes da
crise cultural agem em profundidade e não é fácil reformular hábitos e
comportamentos. A educação e a formação continuam sendo desafios centrais:
«toda mudança tem necessidade de motivações e dum caminho educativo» (15);
estão envolvidos todos os ambientes educacionais, por primeiro « a escola, a
família, os meios de comunicação, a catequese» (213).
O início é apostar
«em uma mudança nos estilos de vida» (203-208), que também abre à possibilidade
de “exercer uma pressão salutar sobre quantos detêm o poder político, económico
e social» (206). Isso é o que acontece quando as escolhas dos consumidores
conseguem «a mudança do comportamento das empresas, forçando-as a reconsiderar
o impacto ambiental e os modelos de produção» (206).
Não se pode
subestimar a importância de percursos de educação ambiental capazes de incidir
sobre gestos e hábitos cotidianos, da redução do consumo de água, à
diferenciação do lixo até «apagar as luzes desnecessárias» (211): «Uma ecologia
integral é feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a
lógica da violência, da exploração, do egoísmo» (230). Tudo isto será mais
fácil a partir de um olhar contemplativo que vem da fé: «O crente contempla o
mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro, reconhecendo os laços
com que o Pai nos uniu a todos os seres. Além disso a conversão ecológica,
fazendo crescer as peculiares capacidades que Deus deu a cada crente, leva-o a
desenvolver a sua criatividade e entusiasmo» (220).
Retorna à linha
proposta na Evangelii Gaudium: « A sobriedade, vivida livre e
conscientemente, é libertadora» (223), bem como «A felicidade exige saber
limitar algumas necessidades que nos entorpecem, permanecendo assim disponíveis
para as muitas possibilidades que a vida oferece» (223); desta forma torna-se
possível « voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma
responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e
honestos» (229).
Os santos acompanham-nos neste caminho. São Francisco, muitas vezes mencionado,
é «o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia
integral, vivida com alegria» (10), modelo de como «são inseparáveis a
preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na
sociedade e a paz interior (10). Mas a encíclica recorda também São Bento, Santa Teresa de Lisieux e o Beato Charles de Foucauld.
Após a Laudato si, o exame de consciência, o instrumento
que a Igreja sempre recomendou para orientar a própria vida à luz da relação
com o Senhor, deverá incluir uma nova dimensão, considerando não apenas como se
vive a comunhão com Deus, com os outros, consigo mesmo, mas também com todas as
criaturas e a natureza.”2
Citações:
1. AQUILINO
DE PEDRO. Aparecida – SP, 6ª edição, 1994.
2. IHU
ONLINE. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/543659-laudato-si-um-qguiaq-para-a-leitura-da-enciclica-a-integra-do-texto