quarta-feira, 7 de novembro de 2012

NO FIM



                  Para Dante Alighieri,
                  no meio do caminho havia uma floresta,
                  que, escura e tenebrosa,
                  metia medo.


                  Para Drummond,
                  no meio do caminho,
                  havia uma pedra dura e irremovível.

     
                  O problema, porém,
                  não está no meio:
                  está no fim.
                  A morte!
                  Certa e inesperada.  

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

REALIDADE DA FAMÍLIA HOJE

Quem trabalha com Pastoral Familiar (padres, religiosos(as) e leigos(as)) tem necessariamente de levar em conta a realidade e não permanecer só no ideal. Aliás, todas as pastorais devem fazer o mesmo. A encarnação deve ser total!
Pois bem. Em relação à família, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com base no Censo de 2010, mostra-nos a seguinte realidade:
1. “O divórcio dobra em 10 anos e impulsiona novas famílias”!
As causas deste aumento devem-se: “à maior aceitação social do divórcio”, “à simplificação dos trâmites legais”, “à maior inserção da mulher no mercado de trabalho, que dá a ela autonomia financeira para se livrar de relacionamentos”, etc...
Resulta daí, ainda, os conceitos de “famílias incompletas”, “famílias reconstituídas”, ”coirmãos”, “reorganização do novo sistema familiar”, etc...
2. ”Com taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição, Brasil fez a transição demográfica”.
Isto significa que a fecundidade, no Brasil, caiu de 6 filhos por milhão nos anos 1960 para níveis abaixo da reposição em 2010, com 1,9 filho.
Explicam-se estes dados: “aumento na escolaridade feminina, mais participação delas na força de trabalho, aumento na escolaridade dos filhos, queda na mortalidade infantil, maior urbanização”, “as relações de gênero”, “fatores culturais”, “religião”, “papel da TV”,”o consumo de bens duráveis e de luxo”, “mudança de comportamento das mulheres”, etc...
3. “No Brasil, 8,3 milhões de famílias dividem suas moradias”.
Isto revela o déficit habitacional no Brasil atual, que é estimado entre 7,9 milhões e 9,2 milhões de moradias. As famílias mais pobres, no Norte e no Nordeste, representam os índices mais altos desta deficiência!
Na linguagem técnica dos especialistas nesta área, famílias “principais” são as que dividem com outra ou outras o seu domicílio; “secundárias” são as que recorrem às que têm domicílio para com elas dividir o teto. As razões são: mães solteiras “que nunca deixaram a casa dos pais ou mulheres que voltam à antiga moradia após se separarem”; “há casos em que as famílias vivem juntas por vontade própria”; há aquelas que “dividem o domicilio porque não têm condições financeiras de viver separadas”, etc...
4. “Número de mulheres que são chefes de família dobra em 10 anos“.
Para alguns especialistas, os avanços das mulheres chefes de família “representa uma verdadeira mudança, nos valores culturais, quanto ao papel da sociedade brasileira. Isto é reflexo“ de participação cada vez maior no mercado de trabalho e da melhora no nível de escolaridade”!
Para outros, esta situação indica que “a responsabilidade de criação das crianças e adolescentes nas famílias fica concentrada na mãe”!
5. “Mulheres são maioria entre casais homossexuais”.
Foi a primeira vez que o IBGE pesquisou casais do mesmo sexo! E os dados indicaram que em “60 mil domicílios brasileiros moravam casais do mesmo sexo”; que as mulheres assumem mais sua relação estável e que os homens transitam mais entre várias relações...
6. “O catolicismo é a religião mais citada entre os casais homossexuais”!
Não basta, porém, esta constatação!
Há, atualmente, em relação a este tema (como em tantos outros, como o celibato, a ordenação de mulheres, a democracia na Igreja – ou maior participação de todos os batizados nas decisões da Igreja, em todos os níveis – a misericórdia para com os recasados, a pobreza e simplicidade, etc) um clamor que brada aos céus! É ele contra todo tipo de exclusão: homem/mulher, menores (crianças, adolescentes, jovens...) pequenos, pobres, marginalizados... Quê pensar, então, “das novas realidades vividas nas nossas sociedades contemporâneas”?, perguntava Raymond Gravel – padre da arquidiocese de Quebec, Canadá, comentando o evangelho Mc 10,2-16 (IHU, 05/10/12). Entre elas mencionou:
“A família monoparental? O casal reconstituído? O casamento gay? A pergunta a se fazer para sermos fiéis ao evangelho é a seguinte: Essas novas realidades podem expressar o Amor de Deus pela humanidade? Deus pode unir dois homens ou duas mulheres que se amam verdadeiramente? A complementariedade é somente biológica? Pode ser psíquica e social? Deus se reconhece num casal divorciado e casado de novo? Como cristãos, como Igreja, nós devemos responder a essas perguntas com a melhor atitude que teve o Cristo do evangelho de Marcos”.
Quer resposta melhor?

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O FILME INFIEL

     Que filme é este que tem causado protestos por toda parte?
     Trata-se de “Inocência dos Muçulmanos” (segundo Frei Betto); “Julgamento de Maomé” (segundo Maria Clara Luccetti Bingemer); ou, ainda, “Maomé, Profeta dos Muçulmanos”...
     O filme inteiro, até agora, não foi exibido. O que foi divulgado foi um “trailler” de 14 minutos.
     O que o filme mostra?
     Ser um filme anti-islâmico; apresenta o Islã como uma religião de violência e ódio; Maomé é um homem tolo e com sede de poder; segundo Frei Betto, “as cenas do filme vão da grosseria à pornografia. Num dos trechos, diz uma velha: “Tenho 120 anos. Nunca conheci um assassino criminoso como Maomé. Mata homens, captura mulheres e crianças. Rouba caravanas. Vende meninos como escravos depois que ele e seus homens abusaram deles”.
     Por isso, protestos dos muçulmanos se espelharam por toda parte. E levantam a questão sobre até que ponto vai a “liberdade de expressão” e se é tolerável o anonimato de quem quer se esconder por trás dessa liberdade.
     A Constituição Brasileira reza, no artigo 5°, inciso IV: “É livre a manifestação de pensamento sendo vedado o anonimato”.
     O citado filme é dirigido por um tal de San Basile, e se acredita tratar-se de um pseudônimo!

quinta-feira, 27 de setembro de 2012


DEUS MORTO? VIVO? “NA MODA”?(II)

                                                                 Pe. Francisco de Assis Correia

      No artigo anterior, citei o 7° Sínodo Nacional do Clero de Portugal, segundo o qual os padres “são convidados a trazer a discussão sobre Deus para a praça pública”.
      Tema de “Teologia Pública”!
      Há, porém, uma complexidade de discussão sobre Deus, atualmente. Ou, melhor, é preciso levar em conta as diferentes “gramáticas”, ou seja, “os novos modelos de se pensar sobre o mundo”.
      Há, por exemplo, o dos novos ateístas como: Dawkins, Dennet, Harris e Hitchens, com sua “retórica virulenta”, “fundamentalista”, “filosoficamente ingênua”, como observou Marcelo Gleiser (1).
      Isto equivale a pensar toda e qualquer realidade em toda a sua complexidade.
      É preciso pensar também na relação entre teologia e ciência.
      No Brasil, destaca-se, neste tema, o Pe. Erico Hammes: é graduado em Filosofia pela faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição e em Teologia pela PUC do Rio Grande do Sul; tem mestrado e doutorado em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma; pós-doutorado em Cristologia e Paz pela Universidade de Tubingen, na Alemanha.
      Suas pesquisas atuais estão relacionadas à Teologia e às Ciências Naturais, com destaque especial à Cosmologia e às Ciências da Vida.


      (1) Marcelo Gleiser é graduado em Física pela Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio; mestre em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutor em Física Teórica pelo King’s College, em Londres; tem pós-doutorado pelo Fermilab e pela Universidade da Califórnia Santa Barbara nos Estados Unidos. Leciona no Dartmouth College, em Hanover, nos Estados Unidos. Dentre sua vasta produção acadêmica, além de inúmeros artigos e livros publicados, destaco:
      - A Dança do Universo (Rio de Janeiro: Companhia de Bolso, 2006);
      - Cartas a um Jovem Cientista (Rio de Janeiro: Campus, 2007);
      - Criação Imperfeita (Rio de Janeiro: Record, 2010)
      - Conversa sobre Fé e Ciência (São Paulo: Agir, 2011), escrito com Frei Betto.
        

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

DEUS: MORTO? VIVO? “NA MODA”? (I)


 DEUS: MORTO? VIVO? “NA MODA”? (I)

                                                                 Pe. Francisco de Assis Correia

      Li, no ultimo dia 12, que Gabriel Vahanian faleceu. Ele era natural de Marselha, na França, onde nasceu, em 1927.
      Ele fora um dos protagonistas da “teologia da morte de Deus”, na década de 1960, “levando à extremas consequências a lição de Friedrich Nietzsche e de Dietrich Bonhoeffer”.
      Entre as obras de Vahanian, estão: “A Morte de Deus: a cultura da nossa era pós-cristã”(1961); “Espera sem Deus” (1964); “Não há outro Deus”(1966); “A Condição de Deus”(1969); “Deus e Utopia”(1977); “O Deus Anônimo ou o Medo das Palavras”(1989)...
      Era eu estudante de Filosofia no Seminário Central do Ipiranga, em São Paulo-SP e tomei conhecimento desta literatura conhecida como “Teologia da Morte de Deus”.
      Nesta linha, vieram os teólogos: Willian Hamilton, Thomas Altizer, Harvey Cox, (que conheci pessoalmente, em 1968, na Universidade Gregoriana de Roma e, na mesma ocasião, Karl Rahner!).
      Foi um dos movimentos teológicos daquela época!
      Li uma entrevista, também recente, na qual, um dos maiores filósofos vivos do mundo (“amigo de Pasolini e de Heidegger”), “uma das dez mais importantes cabeças pensantes do mundo” (segundo TIMES e LE MONDE), Giorgio Agamben, afirmou que “Deus não morreu. Ele tornou-se Dinheiro”!
      Por outro lado, o arcebispo de Burgos, na Espanha, Dom Francisco Gil Hellín, todo otimista, tratou do “retorno a Deus”, sublinhando várias conversões de autores, tais como:
      - Sylvie Germain (nascida em 1954),francesa; dentre suas obras, encontram-se, traduzidas para português: O Livro de Tobias (Dedalos, 2002); A Canção de Amantes Falsos (Dedalos, 2004); Magnus (Dedalos,2008); Vidas Ocultas
(Dedalos,2010)...
      - François Taillandier (nascido em 1955, na França), romancista, jornalista; em português, podem ser encontradas as seguintes obras: Paraíso Opção (A Trama Grande I), Stock, 2005; O Épico de Compostela (L’durável Instantâneas, 2006); Refratária: Bardey d’Aurevilly (Bartillat, 2008); etc...
      - F. Hadjady: escritor e intelectual judeu que se converteu ao catolicismo;
      - Dactec: intelectual excêntrico e controverso;
      - Alessandra Borghese (nascida em Roma, 1963), escritora e jornalista italiana; vários livros seus encontram-se em português;
      - Maria Nájera (nascida em Madri, Espanha), romancista, casada, mãe de três filhos, com obras traduzidas para o português;
      - Akiko Tamura, cirurgiã toráxica da Clínica Universitária da Universidade de Navarra, na Espanha, que entrou para um convento de carmelitas descalças; etc...
      Entretanto, falar que Deus está na moda, parece-me uma expressão banal e incorreta!
      Como sublinhou o 7° Simpósio Nacional do Clero de Portugal, os padres são “convidados a trazer a discussão sobre Deus para a praça pública”.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

OS CATÓLICOS E O CENSO 2010


                                OS CATÓLICOS E O CENSO 2010

                                                                       Pe. Francisco de Assis Correia

            Três pontos principais do Censo 2010 são brevemente desenvolvidos nesta crônica: primeiro, a atual situação dos católicos no Brasil; segundo, as diferentes leituras dos dados e, terceiro, a saída.
            A atual situação dos católicos revelada pelo Censo 2010, mostra queda do numero dos mesmos! Em 1970, 91,1% dos brasileiros eram católicos. Agora, esta porcentagem, reduziu-se a 64,6%, correspondendo, numericamente, a 123,2 milhões, dentro de uma população cujo total é de 197,7 milhões! O Brasil de hoje mostra uma diversidade religiosa muito grande.
            O quadro presta-se a diferentes interpretações: uma delas é – como observou o Prof. Faustino Teixeira, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora-MG – “é a incapacidade dos setores eclesiásticos, no âmbito católico-romano, de perceberem com clareza a dimensão da crise em curso. Diante dos dados apresentados, reage-se com ingênuo otimismo. Ou se diz que aqueles que permanecem católicos são de fato os mais convictos, e que o catolicismo privilegia não o traço quantitativo, mas qualitativo; ou então se busca firmar um outro olhar, sinalizando, na contramão, a vitalidade do catolicismo. É o que se verificou com reação de muitos clérigos diante dos dados apresentados no último censo”.
            O certo é que o censo demonstra uma grande transformação do campo religioso brasileiro; que a diminuição da declaração de crença católica vem se acentuando há mais tempo; que “é das religiões tradicionais que as pessoas tendem a se afastar” ( Pierre Sanchis); que a Igreja Católica com a linguagem antiquada e incompreensível para a maioria do povo e a desatualizada abordagem dos temas vitais de moral afasta muitas pessoas; não se pode esquecer também que nosso testemunho igualmente dificulta a permanência dos fiéis... Isto sem falar dos casos de pedofilia e de outros escândalos que a mídia mostra com frequência.
            O que fazer?
            Propõem-se as comunidades de base como saída, para qual tem faltado “vontade política”.
            As grandes concentrações de gente, os megas templos não criam comunidade, não têm “senso de comunidade”. Os movimentos carismáticos revelaram não ser saída.
            Vale lembrar o que o padre Alberto Antoniazzi escreveu, tratando do Censo de 2000:
            “... não foram os fiéis que abandonaram a Igreja Católica, mas esta deixou sem o devido acompanhamento pastoral importantes grupos da população”.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

NELSON RODRIGUES, DOM LUÍS E MARIA CLARA L. BINGEMER


                       NELSON RODRIGUES, DOM LUÍS E MARIA CLARA L. BINGEMER

                                                                            Pe. Francisco de Assis Correia

      Nelson Rodrigues, o autodenominado “anjo pornográfico”, nasceu em Recife, em 23 de agosto de 1912, portanto, há cem anos atrás.
      Como ele, Dom Luís do Amaral Mousinho terceiro bispo diocesano de Ribeirão Preto e seu primeiro arcebispo, também nasceu, há cem anos atrás, no dia 18 de novembro de 1912, em Timbaúba-PE. Ambos, portanto, pernambucanos.
      Qual a relação entre eles?
      Ela é polêmica. Surgiu exatamente há 60 anos atrás! O matutino ribeirãopretano “A TARDE”, de propriedade de Antônio Machado Sant’Anna, estava publicando “ A Vida como Ela é” de autoria de Nelson Rodrigues e Dom Luís insurgiu-se contra a mesma por se tratar, segundo ele, de publicação escandalosa, imoral, etc...
      A polêmica alastrou-se como fogo nestes tempos de seca e envolveu manifestantes de muitas partes do país!
      Não houve condenação apenas da hierarquia católica, mas, também, da censura federal e de outros órgãos. Aliás, a obra toda de Nelson Rodrigues teve sempre admiradores e ferrenhos inimigos, entre os quais o católico ultraconservador Gustavo Corção!
      Em homenagem ao centenário de seu nascimento, a brilhante teóloga brasileira Maria Clara Lucchetti Bingemer lembra o escritor, reprovando-lhe o “descarado machismo”, a sua crítica à Teologia da Libertação e a figuras como Dom Hélder, ao Pe. Fernando Bastos D’Ávila, SJ, a Alceu Amoroso Lima... Mas reconhece, em Nelson Rodrigues, o genial escritor de nosso cotidiano brasileiro e carioca, o artista da palavra, o apaixonado e talentoso comentarista esportivo, sua imensa sensibilidade e seu fino humor, sua percepção da grandeza e da miséria do ser humano, sua arte de descrever os amigos.
      Vale a pena lê-lo.

18° GRITO DOS (AS) EXCLUÍDOS (AS)


                 18° GRITO DOS (AS) EXCLUÍDOS (AS)

                                                                                Pe. Francisco de Assis Correia

      Na semana de 1 a 7 de setembro, se celebrará o 18° Grito dos (as) Excluídos (as).
      Tema: “Queremos um Estado a serviço da nação, que garanta direitos a toda população”.
      Este Grito interessa a todas as pastorais sociais, a todos os movimentos sociais, a todas as comunidades, dioceses e Igrejas.
      Este Grito teve origem na 2° Semana Social Brasileira (1993/1994), impulsionado pela Campanha da Fraternidade de 1995 sobre os excluídos.
      Como se sublinhou na “Análise da Conjuntura”, apresentada durante a reunião do Conselho Episcopal de Pastoral da CNBB, no dia 28 de agosto passado,
      “Ao contrário do que muitos pensam e apesar da pouca cobertura que recebe da grande mídia, o Grito continua reunindo muita gente por todo o país. Neste ano, convida a população a discutir o Estado. Queremos um Estado a serviço das necessidades básicas da população e não movido pela ganância do lucro e acumulação do capital. Não podemos ficar calados diante de um modelo que dispõe de tantos recursos e dinheiro para grandes obras, para o agronegócio, empreiteiras, indústrias e para pagamento de juros de dívidas públicas, enquanto para o povo restam políticas assistenciais, explicam os organizadores. Para eles é preciso reagir contra tanta corrupção, impunidade e falta de transparência”.
      Ao Grito dos Excluídos deste ano soma-se a 5° Semana Social Brasileira, para questionar e animar a discussão sobre o “Estado que queremos”, a democracia participativa e os direitos sociais. Os animadores do Grito, que se contam aos milhares em todo o país, lutam para construir um Projeto Popular de Nação, onde a dignidade e a integralidade da Vida estejam em primeiro lugar.
      Que não faltem entre nós os animadores do Grito é o que esperamos.
       

        

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

JACQUES LOEW


   JACQUES LOEW

                                                                Pe. Francisco de Assis Correia

            O próximo dia 31 (31/08/12) é dia do nascimento de Jacques Loew, que, se estivesse vivo, completaria 104 anos.
            Ele nasceu em Clermont-Ferrand (França) e morreu na Abadia de Echourgnac, no dia 14 de fevereiro de 1999.
            Sua vida pode ser sintetizada em seis fases:
            - a primeira: estudante de Direito, converteu-se à vida cristã, na Suiça, em 1934;
            - a segunda: entrou para o convento dos dominicanos, fez os estudos de filosofia e teologia, o noviciado e foi ordenado presbítero em 1939;
            - a terceira: tornou-se padre operário, em 1941, alias, primeiro padre operário e seu exemplo foi seguido por dezenas de colegas (experiência que fora, depois, proibida pelo Papa Pio XII e, mais tarde, permitida!).Ele tratou disso em vários livros, como: Jacques Loew: Estivador em Marselha (1948), Missão para os pobres (1950), Missão do proletariado (1961), Diário de um Trabalhador (1963)...
            - a quarta: fundação, por ele, da Missão Operária São Pedro e São Paulo (MOPP), constituída por padres operários e leigos. Quando eu estudava filosofia, em São Paulo, tive a graça de conhecer pessoalmente a casa deles e conversar com Jacques Loew, em 1966! Foi gratificante! Desta fase são os seus livros: Os céus se abriram (1971), Você vem ser meu Discípulo (1988)...
            - a quinta: foi fundador da Escola de Fé na Suiça (Friburgo, 1968) e em vários países;
            Teve grande amizade com Paulo VI que o convidou a pregar o retiro quaresmal no Vaticano, em 1970. O conteúdo destas pregações está no: Esse Jesus que é chamado Cristo: retiro no Vaticano (1970).
            - a sexta: de 1981, até sua morte, permaneceu no mosteiro cistersiense de Enchourgnac.
            Embora falecido, sua vida, seu ministério, suas obras permanecem vivos com irradiante luz, sobretudo para nós presbíteros, nestes tempos de missão. Missão como palavra e missão como vida.
            Ele entendeu o espírito do Concilio Vaticano II e, por onde e como a Igreja precisa se renovar e ir de encontro com o mundo de hoje!

terça-feira, 7 de agosto de 2012

ABBÉ PIERRE (1912-2007)

                                                        ABBÉ PIERRE
                                                     (1912-2007)

                                                                    Pe. Francisco de Assis Correia

      Ainda no seminário menor, já ouvíamos falar de padres que, de uma maneira ou de outra, transformavam a vida ministerial, para além das sacristias! Fenômeno que hoje se dá ao contrário. Volta-se às sacristias, às batinas, aos roquetes rendados e barretes... Triste fenômeno!
      Ouvíamos falar (e, às vezes, líamos) de Thomas Merton, de Fulton Sheen, de Damião de Molokai, de Padres Operários ( por exemplo, de Jacques Loew, que viveu no Brasil e conheci pessoalmente em Santo André – SP), Charles de Foucould ( um colega nosso de seminário foi ser Irmãozinho de Jesus – o Benedito Prezia) e... de Abbé Pierre, cujo centenário de nascimento acabamos de celebrar ( 05/08/1912 - 05/08/2012).
      Estudou com os Jesuítas até aos 19 anos. A seguir, foi ser capuchinho. Foi ordenado padre em 24 de agosto de 1938. Por sete anos, permaneceu capuchinho e depois tornou-se padre secular.
      Durante a segunda guerra mundial ajudou muitas pessoas a escapar da policia nazista, falsificou passaportes e ajudou judeus e perseguidos políticos a escapar da deportação para um campo de concentração.
      Foi preso em 1944 e conseguiu fugir para a Argélia, escondido num malote do correio!
      Voltando à França em 1945 foi eleito deputado da Assembleia Nacional Francesa, cargo que ocupou até 1951 quando renunciou em protesto contra uma lei eleitoral que considerou injusta.
      Abbé Pierre se notabilizou pela fundação das Comunidades de Emaús e dos Discipulos de Emaús. Estes vivem exclusivamente do trabalho e da solidariedade em beneficio dos mais pobres e lutando contra as causas da miséria. “As comunidades recolhem coisas velhas, usadas e não necessárias na casa de pessoas, fazem triagem das mesmas, as restauram e vendem em lojas de solidariedade e feiras”.
      Ele também se notabilizou por assumir posições próprias sobre o celibato dos padres, sobre a ordenação de mulheres, sobre a homossexualidade, sobre a renuncia dos papas aos 75 anos e, já idoso, ter confessado publicamente seus próprios pecados. Foi, entretanto, testemunha de trabalho engajado no combate à miséria e ter amado o convívio com os pobres, bem antes de se falar em “opção pelos pobres”.
      Sua vida de padre secular, para além da sacristia, é exemplo atualíssimo.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

VIAGEM À FAZENDA “VALE DO SEPOTUBA”

        VIAGEM À FAZENDA “VALE DO SEPOTUBA”

      Nossa viagem foi de Ribeirão Preto a Cuiabá, pelo seguinte itinerário: de Ribeirão Preto a Uberaba, Uberlândia, Ituiutaba, Canal de São Simão, Jataí, Mineiros, Salto do Araguaia, Alto do Garças, Rondonópolis, Cuiabá.
       Em Cuiabá, nosso ponto de Encontro foi o Hotel Excelsior, bem no centro da cidade. Zezinho e Luis, que tinham ido de TAM, já estavam no hotel. Acertamos os relógios: uma hora a menos. Era o dia 12 de julho, pelas 20hrs. Pegamos as mala, ocupamos o apartamento 1208. Depois do banho, jantamos no Restaurante do hotel, o “Maria Taquara” (é interessante como, em Cuiabá, há restaurantes com nome de Maria:”Maria Fumaça”, “Maria Pitanga”,...). Presentes à mesa:Zezinho, Luis, Dr.Pio de Figueiredo – prefeito de Altinópolis - , Jaime, José Roberto, Ayrton e seu filho – de Ituverava - , e o Padre Chico. Zezinho e Luis falavam do “baile” que a TAM lhes deu.  A viagem atrasou barbaridade! Defeito no avião. Em Rio Preto e em Rondonópolis.
      No dia 13, terça-feira, fomos à Catedral-Basílica. Nova e bela. Dali, andamos por várias ruas centrais, vendo o comércio e o movimento. Cuiabá foi fundada em 8 de abril de 1719. Ela está localizada à margem esquerda do rio do mesmo nome, a 165 ms. de altitude. Sediada numa zona de ativa mineração aurífera durante os tempos coloniais, foi elevada à categoria de vila em 1727; recebeu foros de cidade em 17 de setembro de 1818. A população é estimada em cerca de 200 mil. Conserva ares provincianos.
      Andamos muito. Fomos pela cidade antiga até à mesquita com minarete soberbo.
      Voltando ao hotel, tomamos aperitivo no “Maria Taquara” e fomos almoçar no restaurante “Flutuante” sobre o rio Coxipó, e conosco veio também o Advogado Dr. Ben Hur, junto com Dr. Pio.Vários tipos de peixe.
      Dali fomos visitar o Frigorífico SADIA. O guia, um jovem que veio com a família de Uberlândia, perguntou-nos a que grupo pertencíamos.
      - Ao Grupo Itamarati?
      - Não, respondeu um de nós. Nós pertencemos ao grupo José Martins de Barros!
      Dando-se por satisfeito, o jovem, - ainda bem – não nos perguntou nada a respeito de gado. Caso contrário, nos veríamos bastante constrangidos frente ao pouco ou nada que sabemos a respeito deste artigo, a não ser quando já no prato...
      Os visitantes se vestiram conforme os padrões exigidos pelo órgão fiscalizador: bota branca, avental verde, chapéu azul com tira de pano branco cobrindo o restante do cabelo e amarrado no queixo.
      Mostrou-nos detalhadamente como o boi vira carne de vaca: o estábulo onde os bois esperam o corte; o lugar do banho antes da morte; o lugar do tiro-de-pressão e as várias etapas dos muitos cortes;  cada funcionário procede a uma operação, até o boi virar bife...
      À tarde, a maior parte foi à sauna. Sauna Cuiabá. Voltou decepcionada. Era massagem “for man”. Só sauna, 2 mil. Massagem, 6 mil. Ninguém fez a massagem...
      À noite, jantamos no “Bierhaus”. Famoso pelo churrasco.
      Quando de lá saímos, chovia copiosamente.
      No dia seguinte, bem cedo, tomamos café da manhã e o caminho de Tangará da Serra. São mais de 300 km. Parte de asfalto e boa parte em terra. O Estado está construindo estrada asfaltada aonde falta. Há muitos desvios. O ano é de eleições e, por isso, a estrada deve ficar pronta até novembro. A poeira entra por todo lado. É fina como pó-de-arroz. Nesse tempo de inverno, a Serra de Tangará oferece perigo a cada metro. Há muita poeira e neblina à noite e pela manhã. A chegada a Tangará da Serra, entretanto, faz-nos constatar que estamos num lugar pioneiro desse Brasil imenso e inacabado. Não há ruas asfaltadas ou calçadas. A rua de entrada é uma ampla e comprida avenida. É a principal da cidade, que dizem já contar com mais de 40 mil habitantes, a maior parte constituída de paranaenses, que dominam a imigração; há paulistas, mineiros, goianos, nordestinos e muitos japoneses.
      À esquerda de quem vem de Cuiabá, há o posto do japonês. Ali se abastece o carro, antes de partir para a fazenda. Toma-se água e café. O japonês sabe sempre informar a situação das estradas na região. É o primeiro local de informação para quem chega na cidade.
      Causa surpresa como o relacionamento entre as pessoas ali seja nominal e muito estreito. O pessoal se conhece facilmente e se fala de forma acolhedora.
      O pessoal todo conhece o “Seu” Zezinho... ele passa pela calçada... e o dono do supermercado grita lá de dentro:
      - ô “Seu” Zezinho!
      - Oi, tudo bem?
      As relações são pessoais e informais. Isso é uma beleza que dá gosto!
      Do posto do japonês fomos à Casa Lusa. Como o nome indica é de português. Só que o tal não estava. Fora ver a mãe, já moribunda, em Portugal. Saiu dizendo que ia dar uma esticada até à Espanha para ver o Brasil sagrar-se tetracampeão.
      Nesta casa, compram-se todas as mercadorias para uma despesa da casa. Secos e molhados. O Zezinho fez a despesa, onde não faltaram duas caixas de “Skol” em lata, imprescindíveis a pescadores...
      Da casa Lusa, fomos ao veterinário Leonardo. É veterinário e negociante. É ponto imprescindível para negócios. Sabe sempre quem tem gado prá vender e quem quer comprar. Conhece as fazendas da região, seus proprietários, as vacinas que o gado tomou ou falta tomar. A sua casa comercial tem de tudo que se precisa para as criações e não faltam arreios, gelo, caixas de isopor, material agrícola... Veio do Sul para lá. Fez veterinária em Jaboticabal. Tem filho em idade de casamento e prontamente já nos convidou para o casamento, no sábado que vem, com churrasco e muita cerveja...
      Almoçamos na Churrascaria “Gralha Azul”. É uma barraca de sapé, circundada de bambu, com cortinas que espantam a poeira e dão um tom original ao ambiente, onde se serve boa comida caseira, gostosa e um churrasco saboroso, com mandioca boa da terra e o Zezinho nos ensina, entre uma cerveja e outra, que a terra do local é ótima prá mandioca, da branca ou da amarela... pode comer sem medo ...
      Dali partimos para a Fazenda “Vale do Sepotuba”. Cerca de 75 km. De terra. À entrada da fazenda, há lavoura de feijão, de milho e mata. O desmatamento apenas começou. Há muito mamoeiro carregado de mamão, alguns maduros. Fizemos uma pequena colheita. Mamão doce.
      Depois seguem pastos onde há umas 5.000 cabeças de gado, espalhadas por vários cercados. Mais boi. Tudo para corte. Zezinho sempre na frente, indicando o caminho e o Luis abrindo as 13 porteiras. Vem, a seguir, o curral. Mais um pasto e se chega à sede. Uma casa ampla de madeira, com 3 quartos, 2 salas, um banheiro, uma cozinha, uma varanda no fundo com área de serviço e lugar para almoçar e jantar e uma grande varanda na frente. É o local propício para conversa, longos papos durante a noite, sentados em cadeiras, nas muretas ou deitados nas redes... à luz das estrelas e da lua...conversa-se sobre todos os assuntos...contam-se piadas, casos...fazem-se confidências e discute-se até o indecifrável...No fundo, há um escritório e uma dispensa.
      A casa dista do Rio Sepotuba, cerca de 600 metros.
      Na fazenda, tudo que se come é de lá: feijão, arroz, verdura, peixe, carne – a mais variada: desde a de vaca à de tatu, paca, capivara, queixada... come-se peixe à vontade e à saciedade, assado, cozido, ensopado, frito... Os peixes: jaú, pacu, caranha, pintado, piauçú, dourado, etc. etc. Pesca-se: com vara, com linhada; canoa ou de barranco; ceva-se ou não um lugar; dá-se milho ou arroz no anzol, enguia ou minhocoçú, coração ou outro peixe; bota-se ou não os ”galhos”, com linha 070, 080, 090, etc... carretilha ou lata, de bambu ou mais sofisticada, vara grande  ou pequena, ali se pesca e se discute  depois o peso e aquele peixe que foi pego, mas cortou a linha, foi embora com o anzol; de “corredera” ou não; arma-se também “pinda”à tardinha, recolhe-se (será?) a pesca pela manhã.
      O Zé maquinista da fazenda é o “expert” das máquinas e aquele que conhece o rio e suas manias; sabe subir o rio e descê-lo de ponta a ponta; com motor ou com remo... Quando se está no barco, pode-se ver (dizem) uma “ninhada” de pacas ou de capivaras nadando em fila indiana... macacos seguindo o barco, pulando de galho em galho, como moleques seguindo um desfile... A água do rio é limpa. A poluição ali não chegou. Pode-se tomar a sua água sem medo.
       O calor é matogrossense. Quente. Mas ali não há febre amarela. Não há mosquitos. Não há necessidade de repelentes.
      Zé e Pedro são dois irmãos. Vieram de Morro Agudo para a fazenda. Pedro é o administrador. Sabe e conhece bem tudo o que se passa na fazenda. É casado com Lúcia. Tem três filhos: Gilmar, Gilberto e Gildo.
      Zé casou-se há cinco meses. Ou melhor, “ajuntou”. A esposa está agora com 14 anos!
      Todo o pessoal, adultos e crianças, demonstra saúde e muita vitalidade. Tudo natural. Sem artifícios.
      A área rural é dominada por grandes fazendeiros que moram em grandes centros do Sul do país: S. Paulo, Rio de Janeiro, Paraná  e Rio Grande do Sul. Pequenos fazendeiros, aqui, são os que tem mil, dois e três mil alqueires.
      O sertão domina. O desmatamento vai em frente, mas há grande preocupação em se observar a legislação com relação às reservas florestais. Talvez, Mato Grosso, ao norte, não se torne tão cedo, uma região desmatada.
      Nessa área não há grandes problemas fundiários. As terras se encontram demarcadas e sendo paulatinamente aproveitadas. Há muita lavoura e muito gado. A região é um celeiro para o Brasil e não fosse ele tão mal administrado, nesse país ninguém passaria fome e nem se precisaria importar alimento. É o que a região nos confidencia.
      Nos dias 15, 16 e 17 as pescarias do Zé Roberto... Jaime e Pe. Chico não se habituaram ao barranco do rio Sepotuba... e o Jaime fez pão... aquele pão... que chegou a deixar sua receita para a Da. Lúcia, que cozinhava prá gente.
      No dia 18, a missa foi marcada para as 9 hrs. Pouco a pouco o pessoal foi chegando... Primeiro o Eleutério, de perua “Kombe”, sua mulher, o filho para batizar, a mulher de seu sobrinho, seu sobrinho e mais uns quatro rapazes... depois veio o Hideo, com sua mulher, as três filhas pequenas, o Takashi, o Sr. Teixeira... Depois o Tanaka, com um casal amigo dele – o Torres e sua mulher, oriundos de Catanduva... Esses últimos trouxeram muita tangerina “polkan” – um saco e duas caixas – e mais uma caixa de latas de cerveja , geladas... parecia uma procissão de ofertório, onde as ofertas eram para todos...
       A missa foi rezada, os batizados (15) realizados e veio a conversa à sombra da grande varanda da frente da sede... tomou-se aperitivo – cerveja e “leite de onça” – e o almoço saiu pelas 13 hrs.
      O Hideo com o Teixeira foi pescar e voltou à hora do almoço, trazendo um jaú de mais de 25 quilos...
       À tarde, pescaria... e o jantar foi servido, pelas 20hrs., a todos os remanescentes...
      O primeiro que chegou para a Missa, já foi dito, foi o Eleutério.     
      - Nasci no Pantanal... trabalhei lá desde muleque... os fazendero de lá são moxiba... pagam nada, nadinha... Vim pra cá... cheguei em Tangará... aqui era pequeno... poucas ruas... viu agora?... outro dia... viche... quase fui atropelado... (ri)... o cara me xingô...Vigem Maria... Eu tava esperano um home com camionete e um cavalo amarrado atrais... falei com ele ... é... tinha que fazê um pagamento prá ele... o cara num tinha troco... o motô funcionano... é ele num desligô... fiquei muito atordoado... fui atravessá a rua assim (gesticula, explicando), vinha outra camionete e num vi e num escutei... o cara veio em cima de mim... fui segurano assim e pulano, ele brecô... se não tinha passado em cima de mim Vigem Maria... (ri)... o cara me xingô, mais me xingô...Nossa Senhora... falô: ”Nêgo sujo... fio da puta... num vê, desgraçado,fedorento...” ... eu tava cus nervo mole... num falei nada... tamém eu era curpado... num pudia falá nada... e ele ameaço vim em cima de mim... ah ... se viesse ele não batia não... me defendia... viche... é... Tangará cresceo,  viche...
      - Eleutério, é verdade que onça gosta de nêgo? que nêgo é chiclete de onça?
      - É gosta sim... olha... pode tá todo mundo num garpão... assim... todo mundo durmino na rede... tem só um nêgo... ela passa por todo mundo... vai lá onde o nêgo tá durmino... é ... isso aconteceu com o cozinhero da turma no acampamento que tava desmatando o sertão lá mais prá baixo de Sepotuba... lá pras bandas da serra... ela foi direto na rede do cozinhero... todo mundo durmino... ninguém viu, né... ela atacô, arrastô o nego prá fora... cumeu ele tudinho... no dia seguinte, o pessoal encontrô assim... as marcas de sangue... o chapéu do nêgo... só sobrô us pé com as botina... Vige, Nossa Senhora... Um dia, eu tava no acampamento... tudo mundo durmino na rede... hora que eu acordei,... vi uma baita duma onça assim (aqui elas é cumprida, baixa, mais veiaca qu´é uma coisa, no Pantanal é que elas é maior...),de pé... me olhano... pensei... seu me mexê, ela ataca... aí fui devagarinho, com a mão, assim por baixo, cacei meu 38 que tava do lado, atirei... só vi fumaça... num sei se matei... mas ela fugiu... é, onça gosta de nêgo... é um bicho que ataca por trais, é ataca pur trais... ora, outru dia , ali, né Pedro, (e todo mundo a prestar atenção no Eleutério, ele é bom prá contá calso), na Fazenda do Zé Otelo... ela atacô o tratorista... ele viu que a condução que vinha buscá ele tava demorano... desligô o tratô e falô... “vô andano... prá adiantá”... a onça tava rondano ele... ele num viu ela... tava desarmado... o bicho é traiçoeiro...veio pur traiz, assim ó... deu um tapa nele...é onça mata nu tapa...  o bicho tem uma força quê Vigem Maria... ele caiu... num viu nada... é nas costas... perdeo muito sangue... ela num comeu ele, porque o caminhão que vinha buscá ele, chegô... viram ele nu chão... nu dia seguinte ele morreu... é perdeu muito sangue... ele disse na casa dele, que sentia muita dor no peito, assim... ela deve ter quebrado us osso do peito... o bicho tem muita força... aí o pessoa foi lá, cus cachorro, encurralô a onça... eles mataram ela... é mais de dia onça num ataca... tem medo de gente, sai correno... mas de noite, o bicho é um perigo... ataca as criação, ataca us bezerro tudo... (e, interropendo, pergunta: ) quanto té qui o Sinhô, Seo Zezinho... tá pagano prá matá onça, prá num cumê os bezerro?
      - Zezinho: 20 mil, Eleutério. Mas você me dá o couro.
      - Eleutério: Viche, puis vô matá (e ri )... um dinheirinho a mais...a gente pricisa...
      - Quantos filhos você tem, Eleutério?
      - 29... graças a Deus... a maió riqueza que tenho e a saúde... é tudo...
      - É mais ocê já recebeu um bom dinheiro este ano... mais de um milhão, Eleutério?
      - É Seo Zezinho, a gente pricisa, né (e ri)
      - E quantos anos, ocê tem?
      - 53
      Ele não demonstra essa idade. O homem está muito bem. Demonstra uns quinze anos a menos. Veste-se bem. O chapéu inseparável, de palha branca e limpo; camisa de manga cumprida branca, aberta no peito, mostrando sua corrente de ouro que termina com um coração, onde há uma fotografia de casal. Deve ser ele e a sua mulher legítima. Calça US-Top e bota marrão. Relógio “Orient”, automático. Gosta de andar com anéis. Desses grandes. Mas, hoje, ele está só com um, ao lado da aliança, na mão esquerda. Quando sorri, mostra dentes dourados e outros bem brancos. Boa dentição. Usa óculos escuros. Mas também estava sem eles. Não veio também com seu Taurus, novinho. Veio de “Kombe”. Ele disse que a recebeu como pagamento de uma dívida antiga. Ela está nova. Ele só a dirige na fazenda, pois não está habilitado. Quando precisa, tem três filhos que tem carteira profissional.
      -E ocê vai prôs 30 filho, Eleutério?
      -É to trabaiano... si Deus quisé... vô chegá nus 30... (e ri sorriso de satisfação)
      - Esse daí que vai ser batizado, quantos meses tem?
      - Tá com cinco meis...é novinho... é menino-home...
      - Você é católico?
      - Nossa Senhora... nasci e fui criado nessa lei... e os meus fio tudo é católico... nois sêmo católico... tenho em casa os meo santo tudo e tudo que peço, sô atendido, graças a Deus...tem uns crente que vieram em casa... ora ... foi inté pirciso raiá cum eles... nóis num queremo mudá de religião...
      - Eleutério, cadê Florinda?
      -Dei a Florinda prô meu subrinho... é... peguei a Idalina, mais nova, essa que é mãe do Sovinil, esse minino que vai sê batizado hoje... aqui, a gente num casa, a gente ajunta, ... num dá certo a gente separa... mais a minha muié legítima tá em Cuiabá... tá meio duente... fui lá essa semana levá dinhero prá ela... tá nada boa, num sinhô... a minha sogra disse que tá cum 103 ano e anda bem... tá na cidade... recebe aposentadoria... anda pur lá tudo ... num parece que tem essa idade... Seo Zezinho, o sinhô vai a Tangará esses dias?
      - Vou... segunda-feira...
      - Dá pra mi levá? Comprei 10 quilo de café... o supermercado mando as mercadoria e num veio o café... tamos sem café de tudo... é preciso reclamá...
     
      HIDEO

      A lavoura em Umuarama não ia bem. O café a geada matou. Hideo pegou, vendeu a sua parte no Paraná e rumou para Tangará da Serra. Comprou fazenda. Fazenda prá fazer lavoura. Arroz. Milho. Feijão.Tentou  café, mas não deu certo. Ao mesmo tempo, passou a formar uma equipe para desmatamento de terras de fazenda da região.
      O contrato é assim: ele desmata de cem a cento e vinte alqueires, por exemplo, de uma fazenda. Desmatada a área, ele planta por dois anos, feijão, arroz, milho. Depois, devolve as terras para o dono, com capim plantado.
       As terras, por esse lado de Tangará da Serra, são ótimas. Não precisam de adubo. Basta arar e plantar.
      O feijão se planta pelo dia 20 de fevereiro. Daí 70 ou 90 dias, já se tem feijão. A seguir, no mesmo lugar, se planta milho. A terra dá duas colheitas.

      TANAKA DE TOYOTA

      Tanaka veio de Okinawa, quando tinha 19 anos. Ele, o pai, a mãe, três irmãs. Isso foi em 1962. Em Santos, mandaram-nos para Tangará da Serra, no Mato Grosso. Deram-lhes cinco alqueires. Ali, ainda, não havia quase nada. Precisavam fazer despesa em Cuiabá. Não sabiam falar nada em português, ele e o pai iam de carroça-de-roda-de-pau até Cuiabá fazer as compras.
      As coisas foram melhorando com o trabalho e a persistência japoneses.
      Hoje é cerealista. Compra arroz e manda para o Paraná. Compra de 500 a 600 sacas de arroz por dia. Tem fazendas. Planta laranja, tangerina e banana. Manda tudo para Porto Velho. Não anda mais de carroça-de-roda-de-pau. Tem, entre outras conduções, a sua camionete Toyota, a melhor prá aguentar o tranco da região.

      O BORORO ADILSON

      O Bororo Adilson está com 16 anos. Dizem que ele foi deixado no mato pela mãe, quando pequeno. Uma família o pegou e está criando como a um filho. Trabalha como peão de gado. Moreno, olho amendoado, testa ampla. Olha desconfiado, abaixa a cabeça e ri envergonhado... sabe conviver normalmente com todos...
      O pessoal brinca com ele:
      - Adilson... vô te levá prá Ribeirão... botá o cê numa jaula prô pessoal te vê... dá um dinheirão... olha, 50 cruzeiros por pessoa... ocê fica rico...
      E o bororo ri... e parece não se apoquentar com a brincadeira de mal gosto.
      - Adilson... ocê num qué casá com a Selma?
      Selma é uma menina de 9 anos... dizem que ela é paraguaia... guarani...
      E ele ri, um sorriso gosado... desconfiado...

      A VOLTA

      Dia 19. Fizemos o percurso: Fazenda. Tangará da Serra, Cuiabá, Rondonópolis. Aí chegamos pelas 16 horas. Ficamos no “Monte Líbano Palace Hotel”, Apto. 111.
      Jantamos no “Galpão”, aprazível lugar, onde já cansados de peixe e carne, entramos no “spaghetti” a alho e óleo.
      Saímos às 7,45 hrs. do dia seguinte, de Rondonópolis, fazendo o mesmo percurso da ida, chegando em Ribeirão, pelas 21 horas.
      Nossos agradecimentos ao Zezinho pela hospitalidade na Fazenda “Vale do Sepotuba” e por tudo que nos mostrou e ensinou acerca desta região do Mato Grosso.


                                                                  Pe. Francisco de Assis Correia
                                                                 Rib. Preto, 22 de Julho de 1982.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

LUZIA

         LUZIA
                                                    
                                                     Pe. Francisco de Assis Correia

      Luzia vem de luz...
      Luzia é iluminada,luminosa,
      Luzia lembra luz
      Vem de luz
      “Nascida com a primeira luz”...

      Luz lembra divindade:
      “Deus é luz”
      E está em Luzia
      Que a faz bondosa, terna,afável,
      Não só Mei mas meiga...

      Mulher forte e sábia,
      De sabedoria da universidade da vida
      E de pós-graduação provada
      Na experiência do dia a dia
      Cheia de esperança na frente
      Deixando para trás os desenganos.

      Mãe, esteio da casa e eixo da vida familiar.

      Luzia transluz,
      Espargindo centelhas
      De simpatia, de bondade,
      De amizade e sororidade.

      Sua missão é luzir,
      Brilhar, irradiar, fulgurar,
      Refulgir, reluzir...

      Grato por sua amizade.

      Saúde e paz,
      Hoje e sempre.

      Parabéns do
                             Pe. Chico.
      

RUAS E PRAÇAS

 RUAS E PRAÇAS

                                                                Pe. Francisco de Assis Correia

            Se esta rua fosse minha
            Ou se esta praça fosse minha
Não mudaria nunca de nome.
           
            Nome de rua ou de praça
            É que nem nome de gente:
            Não se muda nunca!

            Na prática, entretanto,
            Muda!

            Veja que, em Jardinópolis,
            Desde o seu começo,
            Ruas e praças tiveram mudados seus nomes
            Às vezes, até três vezes.

            Primeiro foi o Distrito:
            De Ilha Grande,
            Passou a Jardinópolis.
            Em 1896.

            Foi melhor.
            Já pensou ser chamado de insular?
            Ou magnoinsular?
           
            Sarandy passou a Jurucê!
           
A Rua Sarandy virou Rua Cel. José Theodoro.
            A do Comércio, Rua Américo Salles.
            A da Liberdade, Senador Joaquim Miguel!
            A 11 de Junho, Júlio Camargo de Morais.
            A do Porto, Avenida Visconde do Rio Branco.
            A Boa Vista, Altino Arantes.
            A das Flores, Rua Afonso Pena.
            A 24 de Maio, para Virgílio Costacurta.
           
Nem as ruas com nomes de Santos ficaram imunes.
            A São João virou 15 de Novembro e, depois, Getúlio Vargas.
            A Santa Cruz, Alfredo Ellis e, depois, Dominiciano Alves de Rezende.
            A Santa Maria, Rua 7 de Setembro.
            A Sant’Ana, Rua Rui Barbosa.
            A São Pedro, Rua Campos Salles.
            A Rua da Consolação, Rua Silva Jardim.
            Salvou-se a Rua São Sebastião!

            Até as Praças mudaram de nome!

            O Largo da Matriz, Praça Nossa Senhora Aparecida.
            O Largo do Rosário, Praça Tiradentes e, depois, Praça Dr. Mário Lins.
            A Praça da República, Olavo Bilac.

            A Santa Casa de Misericórdia
            Nasceu com o nome de Pio X
            No inicio do século XX.
            Depois, virou Hospital de Jardinópolis.

            A Estação Ferroviária, desativada,
            Virou Mercado Municipal,
            Estação Rodoviária
            E, agora, também, Câmara Municipal.
            Desfigurou-se a bela estação que era!

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

QUE SUSTO!

   QUE SUSTO!
                                                          
                                                                     Pe. Francisco de Assis Correia

            Mal postei o artigo sobre “Como se faz um Bispo” e li, perplexo, noticia extraída do IHU: “San Francisco: clima tenso pela chegada de bispo conservador”!
            Dom Salvatore Cordileone (observem o nome de origem italiana: Salvatore = Salvador; Cordileone: em latim, tradução livre = coração de leão).
            Era bispo de Oakland e fora nomeado arcebispo de San Francisco, metrópole com mais de meio milhão de católicos!
            O clima ficou tenso na arquidiocese! Um bispo que militou contra as uniões civis entre homossexuais, contra o aborto, etc... etc..., felizmente contra a pena de morte! Esta arquidiocese tem grande diversidade cultural e étnica (maioria de origem latino-hispânica ou asiática)!
            Não que eu seja a favor do aborto. Minha posição é mais larga: é preciso ser contra o aborto, contra as más condições de vida, contra o trabalho escravo, contra o trabalho de menores, contra todo tipo de violência, contra os baixos salários, contra todo tipo de exclusão, de discriminação, contra todo tipo de atentado à dignidade humana, contra o desrespeito aos direitos humanos etc... etc...
            Nossa Arquidiocese fez um longo processo de recepção do Concilio Vaticano II e não desejamos, depois de vários invernos, perder uma nova primavera!
            Os mais velhos se lembram de Botucatu e da nomeação de Dom Zioni... de Dom Romeu que entro no caso...

terça-feira, 31 de julho de 2012

COMO SE FAZ UM BISPO: SEGUNDO O ALTO E O BAIXO CLERO

           COMO SE FAZ UM BISPO:
                                SEGUNDO O ALTO E O BAIXO CLERO
                                                                                 

Pe. Francisco de Assis Correia

      Em tempo de sede vacante, vale a pena ler este livro:
      J.D. Vital
      Como se faz um Bispo: segundo o alto e o baixo clero.
      Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
      Leitura fácil, envolvente, fluente. Prende o leitor do começo ao fim. Ainda mais para nós que conhecemos muitos do alto e do baixo clero presentes no livro. A começar de um ex–aluno do CEARP e ex-padre de nossa querida Arquidiocese que, sem curso reconhecido pelo MEC, como quase todos os ex-padres deste imenso Brasil, procura emprego.
      O autor, ex-seminarista, faz-nos lembrar a vida de seminário dos velhos tempos e perceber a política eclesiástica em torno de nomeações episcopais, arquiepiscopais e cardinalícias.
      Alerta-nos contra a terrível invidia clericalis (inveja clerical) que frustra tantas excelentes candidaturas e favorece mediocridades.
      O inicio do livro traz uma lista de terminologia clerical – um pequeno léxico – útil para os que não estudaram latim.
      Esse texto fez me lembrar de um grande romancista norte-americano, padre, professor de sociologia na Universidade do Arizona, membro do Centro Nacional de Pesquisa da Universidade de Chicago, autor de mais de 50 romances e mais de 100 obras de não ficção. Trata-se de Andrew M. Greeley.
      Dentre suas obras, em relação a este tema, destaco:
      Como se faz um Papa: a história secreta da eleição de João Paulo II.
      Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
      E
      Os Pecados de um Padre
      Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
      Nos EUA este romance esteve na lista dos mais vendidos do New York Times.
      Vale a pena conferi-los, neste tempo de sede vacante.