Escrevi,
há alguns meses um texto sobre o episcopado brasileiro no qual sugeri que se
alargassem os horizontes para a escolha de bispos. Encontrei, agora, um texto
de um teólogo australiano, Paul A. McGavin, publicado pelo IHU (23/07/2015),
mas que antes se constituiu numa carta aberta ao papa Francisco. Eis o Texto:
“Doze critérios para a seleção dos bispos, de Paul A. McGavin
Se olharmos simplesmente para o modo como habitualmente são
visualizadas as responsabilidades de um bispo, a primeira coisa que observamos
é que se trata de um “ofício” que é muito exigente e diverso. O segundo ponto é
que é difícil encontrar candidatos aptos para o cargo. O que significa que
devemos, talvez, nos contentar com os que estão disponíveis, em vez de procurar
quem corresponde ao que desejaríamos. Podemos nos consolar dizendo que “Deus
nunca nos deixará desprovidos”, mas isto pode ser um falso consolo, porque
muitos leitores poderiam se ver confrontados com uma experiência prolongada da
providência divina, na ausência da providência episcopal.
Contrariamente à crença católica oficial, a ordenação não
transforma um homem. Este que a recebe, tem acesso à autoridade e à graça do
sacramento da Ordem. Mas a concretização dessas depende em grande medida das
qualidades humanas que estão presentes naquele que é ordenado. Os critérios de
seleção devem concentrar-se fundamentalmente nas qualidades humanas e sobre o
modo como a graça pode se manifestar nas qualidades humanas.
É nesta perspectiva que são propostos os seguintes critérios
de seleção:
1. É necessário escolher um homem viril, um homem que tenha
confiança em si mesmo e esteja bem seguro de sua masculinidade; um homem que
tenha um estilo de vida concreto no físico e que seja forte tanto do ponto de
vista físico como mental. É preciso buscar o tipo de homem que os jovens e os
homens admirem e que as mulheres respeitem. É preciso buscar um homem que seja
capaz de atrair os jovens ao seu redor, encorajando-os a explorar e desenvolver
uma vocação para o ministério sagrado, e que seja um homem que saiba
estabelecer com os seus padres e diáconos relações de apoio mútuo, de
confiança, de visão e de estímulo. Um homem que os leigos que estão dentro da
Igreja e os homens que estão fora da Igreja vejam como alguém muito coerente.
2. A coerência é de suma importância. O bispo é um homem que,
com prudência, diz em que ele acredita e coloca em prática o que ele diz? É um
homem que se associa somente com aqueles que compartilham suas simpatias e
antipatias, ou é um homem que se compromete com firmeza com pessoas que são
diferentes dele? É um homem que segue a corrente ou alguém que vai na contra
corrente? É um homem do qual se pode estar seguro de que agirá com total
coerência? É um homem para quem os princípios contam mais que suas simpatias e
antipatias?
3. Os princípios são de suma importância. O bispo é um homem
que insistirá para que os processos sejam justos e que a justiça seja correta?
É um homem que se esforçará para agir canonicamente, em vez de arbitrariamente?
Um homem que tratará todo o mundo, homens e mulheres, da mesma maneira, quer
sejam simpáticos ou não? É um homem que faz o que é justo diante de Deus, ou o
tipo de homem que, quando o jogo fica difícil, faz o que pode para escapar?
4. O temor de Deus é de suma importância. São João nos
ensina que “o amor perfeito expulsa o medo” (1 Jo 4,18). Há poucas pessoas que
sejam perfeitas no amor; e um vivo temor de Deus nos impede de fazer o que o
amor perfeito não faria e nos impulsiona a fazer o que o amor perfeito faria.
Um homem não é ordenado bispo para si mesmo, mas para Deus e para a sua Igreja.
A autoridade e a graça, ou as Ordens sagradas, são tão grandes que, para ser
digno, seu destinatário deve se deixar intimidar pela confiança, pelo
compromisso de que é objeto. Ele é responsável diante de Deus pela transmissão
da herança da Igreja, o Evangelho de Jesus Cristo. É responsável perante Deus
por sua capacidade de supervisionar e colaborar com seu clero. É responsável
perante Deus pelo exercício de sua paternidade no meio do povo de Deus que é
confiado à sua guarda. Discernir o justo temor em um homem é de fundamental
importância, porque só o homem que teme a Deus será um instrumento da ação de
Deus em sua Igreja.
5. A inclusividade é de suma importância. Como padre e
pastor, o bispo trabalhou para edificar uma comunidade na qual as pessoas mais
diversas encontram espaço e acolhida? Ou como padre educador ocupou-se dos
alunos mais cheios de promessa, mas também dos menos cheios de promessa?
Demonstrou ser um homem de aguda capacidade de escuta, de tal forma que sente
profundamente o que se diz a ele? É o tipo de homem de quem as pessoas dizem:
“Ele realmente me escutou, sinto que ele realmente me entende?” Ou é o tipo de
homem que age em função de suas próprias ideias pré-concebidas, o tipo de homem
que tem uma epistemologia restrita, o tipo de homem que vê as coisas de forma
parcial, preto no branco?
6. A oração é de suma importância. Naturalmente, um bispo
está ligado à celebração regular da santa Eucaristia e da recitação do ofício
divino. Mas o que é ainda mais importante é o escutar, na medida em que a
oração não é uma “performance”, mas escuta, escuta de Deus: “O que queres que
eu faça?”; “Meu Deus, o que tu farias nestas circunstâncias?”; “Aqueles que eu
escuto, o que me revelam, meu Deus, do que tu dizes e fazes e queres que eu
diga e faça?”; “Por favor, Deus, silencia meus falatórios, e ajuda-me de forma
mais clara a perceber a ação da tua mão em tudo o que está diante de mim!” É de
fundamental importância discernir se nos encontramos diante de um homem que
pratica a presença de Deus ou pratica a presença de sua própria presença.
7. A humildade é de suma importância. Com frequência, as
pessoas interpretam mal a humildade e discernem-na erroneamente. A verdadeira
humildade é fundamentalmente objetividade: quem sou eu diante de Deus? Quem sou
eu em relação com os outros, homens, mulheres e crianças? Quais são os dons que
eu tenho, e quais são os meus limites? Onde e como devo inclinar-me para os
outros? Onde e como devo seguir os conselhos dos outros? A humildade é robusta,
não é afeminada. Na seleção episcopal, o discernimento da humildade é
fundamental; caso contrário, a Igreja terá como bispo um homem que é
autoritário e que abusa de sua posição, sente-se ameaçado pelos outros, rebaixa
os outros e acredita que é o que não é.
8. O amor da beleza é de suma importância. As pessoas podem
estremecer diante do pensamento de um bispo esteta, mas quando um bispo dá
mostras de gostos pouco refinados, a Igreja sofre consideravelmente. O dano que
foi causado à vida católica por uma liturgia minimalista foi muito grande, e a
diminuição do justo culto de Deus, em razão de liturgias minimalistas,
insípidas e centradas na pessoa, é dolorosa. Os estragos causados por uma
música horrível e por artes visuais e plásticas insípidas foram enormes. As
vestimentas e as túnicas sacerdotais degradam muitas vezes a dignidade do cargo.
Todos estes argumentos devem ser julgados no contexto cultural. Escrevo a
partir da Austrália, onde experimentamos verões muito calorosos, minha roupa de
verão pode ser uma camiseta branca com calças curtas de cor escura e calçados
pretos bem lustrados: um “look” que está bem longe das roupas surradas e das
cores extravagantes que com frequência se veem nos padres. Das coisas grandes
às coisas pequenas, dos aspectos de uma cerimônia elevada às questões banais,
um adequado sentido de discernimento estético é importante. As pessoas têm
necessidade de serem edificadas em todos os campos: da roupa cotidiana e do
cuidado do aspecto à apresentação formal sem nunca ser asfixiante; da liturgia
diária à liturgia mais solene; do canto gregoriano ao estimulante esplendor
musical. É muito importante que um bispo seja um homem que compreende a beleza,
ama a beleza e comunica a beleza de Deus, desde as coisas simples e humildes
até as coisas excelsas.
9. O exercício intelectual é de suma importância. Temos um
caso interessante com o nosso atual Papa, que em sentido estrito
não é um intelectual, mas que tem uma mente teológica aberta à pesquisa, e
desafia poderosamente a Igreja nas áreas em que imperava um pensamento
convencional em vez de uma busca atenta e da defesa da fé. Além disso, vivemos
em um mundo complexo e multiforme que no encontro requer uma compreensão
profunda e um pensamento rigoroso. Minha preferência é para candidatos
episcopais que tenham obtido boas licenciaturas em universidades públicas
qualificadas, ou dispõem de qualificações profissionais sólidas. Com muita
frequência, atualmente, os bispos falam sentenciosamente sobre questões que não
compreendem e nas quais os leigos seriam mais competentes, ou reproduzem
opiniões vindas de burocratas eclesiásticos que não deveriam ter triunfado no
mundo. Evidentemente, uma sólida formação em Teologia, Filosofia e Direito
Canônico é fundamental. Mas, muitas vezes, os estudos eclesiásticos superiores
produzem apenas o que eu chamo de “mentalidade de nota de rodapé”, e não nutrem
as mentes com capacidades críticas e analíticas. Um candidato ao episcopado
deve ser um homem que demonstra capacidade de enxergar além de todas as
obsessões do mundo e da Igreja; um homem que saiba destrinchar as crises e seja
capaz de valorizar e elaborar, de maneira crítica, planos para realizar
melhorias e conservar a herança apostólica. Não é que cada bispo deva ser um
grande intelectual, entendendo que um corpo episcopal sem grandes intelectuais
será absolutamente fraco. Mas, todo candidato ao episcopado deve ter uma mente
forte e rigorosa e a capacidade de colocar em prática o que tem na cabeça.
10. A capacidade de aplicação prática é de importância
crucial. O “ofício” de um bispo é mais do que o homem pode fazer sozinho, o que
significa que um bispo deve ser ajudado em sua tarefa. Esta ajuda vem, em
primeiro, lugar dos seus colaboradores mais próximos, seus padres e diáconos.
Na maioria dos casos, atualmente, há burocracias eclesiásticas diocesanas que,
em sua maioria, são pletóricas e mais civis do que eclesiásticas. Um candidato
ao episcopado deve demonstrar competência na gestão dessas burocracias, mais
que permitir a essas burocracias que administrem por ele, como acontece com
frequência. A administração da Igreja deve ser eclesial em seu funcionamento, e
isto deve ir de alto a baixo. Nenhum bispo deve se contentar em ser um CEO, mas
– na medida em que agir como administrador delegado – deveria manifestar uma
capacidade de colaboração, de “trabalhar com” mais do que “trabalhar acima de”
os diversos organismos eclesiásticos. Não apenas a cúria diocesana, mas também
a coordenação diocesana de educação, os serviços diocesanos encarregados da
saúde e do bem-estar, em síntese, toda a gama de serviços diocesanos devem ser
renovados constantemente, de tal forma que funcionem de forma verdadeiramente
eclesial e evangélica. Caso não mostrar capacidade de mobilizar os demais para
que atuem de forma colaborativa, caso não se fizer acompanhar pelos que estão
comprometidos nestas missões, não será eficaz como bispo.
11. Decidir o que não fazer é de crucial importância. Existe
um tipo de homem que pensa que pode fazer tudo e administrar tudo e, pelo
contrário, acaba não fazendo nada. Há um tipo de homem que trabalha
incansavelmente e que realiza pouco, é ineficiente e ineficaz, porque não sabe
distinguir entre o que pode fazer e o que não pode fazer. Existe o homem que
não faz nenhum exercício físico regular, nenhuma recreação regular, nenhuma
atividade cultural regular, nenhuma leitura edificante regular: o tipo de homem
que é somente um aborrecido burro de carga. Esses homens, quando se tornam
bispos, não cultivam os jovens para o ministério sagrado, não encorajam ou não
desenvolvem ou não utilizam corretamente o seu clero. Simplesmente, não
encontram o tempo para se comportar como pais em Deus com seus padres. Para
esses homens é melhor não ser bispo.
12. “Sejam imitadores, como eu o sou de Cristo” (1 Cor 11,1).
Estas fortes palavras são do apóstolo São Paulo. Ao longo das
décadas, são palavras que não pude aplicar com facilidade a algum bispo que
conheci em diferentes graus. Com muita frequência, encontram-se homens que
fazem o que gostam de fazer, e que favorecem apenas àqueles que são úteis para
fazer as “suas coisas”. Uma profunda e arraigada semelhança com Cristo é
difícil de encontrar, e é difícil encontrá-la mesmo entre homens que também
seriam guerreiros de Cristo. Raramente encontram-se entre aqueles que são
socialmente “exitosos”, que são apreciados porque são “inofensivos”. As cartas
paulinas apresentam um homem que em muitos aspectos foi uma personalidade
áspera, mas com tal semelhança com Cristo que não se pode não amar uma pessoa
assim. Nós temos uma desesperada necessidade de bispos que manifestem tal
semelhança com Cristo que induzam a amá-los e amá-los apesar das pontas ásperas
que poderíamos ver em um ou em outro. Nós temos necessidade de homens que
possamos imitar, porque seu modo de pensar, rezar e agir nos fazem ver o Cristo
que pensa, reza, age e ama no meio de nós. Nós temos necessidade de homens com
um profundo amor.
Tudo isso é difícil de discernir. Mas são estes
discernimentos que são necessários no processo de seleção dos candidatos ao
episcopado.”
Digitou esse texto Vinicius Maniezo
Garcia, enfermeiro cuidador do autor.
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