Nada tenho a dizer aos que gostam de ler.
Eles já sabem. Mas tenho a dizer a quem não gosta. Pena que, por não gostar de
ler, é provável que não leia isto: "Você não sabe o que está
perdendo."
Ler é uma das maiores fontes de alegria.
Claro, há livros chatos. Não leia. O escritor argentino Jorge Luis Borges dizia
que, se há tantos livros deliciosos, por que gastar tempo lendo um que não dá
prazer? Na leitura, fazemos turismo sem sair de casa, gastando menos dinheiro e
sem correr riscos.
O Sho-gun me levou pelo Japão do século
16, em meio a ferozes samurais e sutilezas do amor oriental. Cem Anos de
Solidão, que reli faz meses, me produziu espantos e ataques de riso. Achei que
Gabriel García Márquez deveria estar sob efeito de alucinógeno.
Lendo, você experimenta seu mundo
fantástico sem precisar de "aditivos". É isso: quem lê não precisa de
alucinógeno. Nunca tinha pensado nisso. A poesia do Alberto Caeiro me ensina a
ver, me faz criança e fico parecido com árvores e regatos. Agora, essa
maravilha de delicadeza e pureza, do Gabriel velho, com dores no peito e medo
de morrer: Memórias de Minhas Putas Tristes. Li, ri, me comovi, fiquei leve e
fiquei triste de o ter lido, porque agora não poderei ter o prazer de lê-lo
pela primeira vez. Pena que você, não-leitor, seja castrado para os prazeres
que moram nos livros.
Mas, se quiser, tem remédio.
Rubem Alves
SOBRE QUEM GOSTA DE LER
Quando você vê alguém lendo um livro, presencia uma pessoa às
voltas com uma grande exigência. A palavra escrita o põe na parede: pede a ele
uma interação que manda às favas a passividade. A leitura fricciona a
percepção; é a fricção de duas pedras - fiat lux!
Não, quem lê não está imóvel, é puro dinamismo e motor. É
como uma barriga grávida, num aceleradíssimo tempo de prenhez.
A leitura enfia-se no presente, fabrica o que virá. Quem lê é
um da Vinci, diagramando os recursos recebidos, aplicando cor. E fazendo.
A importância primeira do ato de ler é essa negação da
passividade, essa incondicional exigência de ação. É um ato de otimismo
intrínseco.[1]
Tom Zé, músico
Digitou esse texto
Ricardo Rodrigues de Oliveira, enfermeiro cuidador do autor.
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