sábado, 21 de março de 2015

O CARRO FÚNEBRE (Serie 70, 53°)


Eles se conheceram numa loja de departamentos, frente à praça XV. Conversaram alguns minutos e ele propôs que fossem a uma choperia famosa de Ribeirão Preto em frente, também, da mesma praça. Ele contou pra ela sua vida de divorciado, tendo três filhos homens: um com 18 anos, outro com 16 e, por fim, outro de 14 anos. Ela, contou também, seu passado. Namorou firme três moços, mas o namoro não foi pra frente e assim permanecia solteira. Ambos voltaram a se encontrar outras vezes no mesmo lugar.
Um dia, combinaram encontrar-se na própria casa dela em Jardinópolis, cidade de poucos habitantes, cerca de cinco mil e quinhentos, calçadas eram só as ruas da praça da matriz e adjacências. O número de possuidores de carros era muito pequeno ao lado de cinco carros de praça. O que mais circulava era um veículo com tração animal.
Quando a mãe dela viajou de ônibus para uma peregrinação, ficou marcado como o dia da ida dele à casa dela.
Aconteceu, porém, dele ir com o carro fúnebre da empresa para a qual ele trabalhava como motorista. A empresa funerária chamava-se Mementos (que significa “lembra-te”, é o começo da frase “lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó retornarás”).
O carro fúnebre dirigido por ele, parou em frente à casa dela por volta das 8 horas da manhã, ele entrou na casa e ambos ficaram fechados por um bom tempo. Aconteceu que pessoas foram se achegando à frente da casa e parando em frente da mesma, perguntando “quem morreu?”. “Nossa, dona Zefina? Ela estava tão forte”; outros, “eu acabei de ver ela saindo de ônibus ainda hoje de manhã!”...
De repente, a frente da casa ficou lotada de populares, conversando em voz baixa, vários senhores com o chapéu na mão esquerda (sinal de respeito pela falecida), algumas senhoras com seus lenços na mão para conter as lágrimas...
A polícia foi chamada porque o pessoal já estava atrapalhando o pequeno fluxo viário naquele ponto da cidade. Um policial desceu da viatura e bateu à porta da casa da dona Zefina. Bateu, bateu, bateu... e ninguém atendeu. Só quando o policial gritou com força e deu alguns chutes na porta é que ele, o namorado, surgiu, tentando abotoar a cueca e respondeu ao mesmo que não havia nada de mais, que não havia morrido ninguém, que ele é que estava dirigindo o carro fúnebre e que não havia nada para aquele ajuntamento de pessoas: um banho de curiosos num lugar onde era difícil acontecer quebra da rotina.
Após tudo resolvido a polícia dispersou os populares, o carro fúnebre voltou para a sua origem e tudo parecia ter voltado a absoluta normalidade.
A “namorada” ficou sabendo que seu “namorado” não passava, na verdade, de um amante.
Desesperada, resolveu se matar.
Em frente da casa agora, ficou claro que tudo não passara antes, se não de prenúncio, do que aconteceria – e aconteceu – de trágico.

Não havia velório na cidade. Era feito na própria casa, donde saía depois o enterro, e assim aconteceu com ela. Foi velada e transportada para o cemitério, não em carro fúnebre, mas nas mãos de seus familiares, amigos e vizinhos, sem a presença de seu “namorado”.

Digitou este artigo: Vinicius Maniezo Garcia (Enfermeiro e Cuidador do Autor).

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