segunda-feira, 2 de março de 2015

DIÁRIO DE UM TAXISTA (1) (Serie 70, 41°)

OS TRÊS POTIGUARES
  
            Há profissões que no seu cumprimento, revelam-se como “terapeutas”: sem falar nos profissionais de saúde, são eles: professores, barbeiros e, por exemplo, curiosamente, taxistas. A proximidade das pessoas, a confiança que nasce daí, a intimidade e a necessidade de a pessoa comunicar sua preocupação, sua ansiedade, seu temor, fazem com que as pessoas se abram informalmente.
            Aqui, numa série de artigos alternados pretendo revelar o que se passa realmente entre passageiros e taxistas.
            Quando eu era menino os taxistas de hoje eram chamados de “chauffeur” o que quer dizer traduzido do francês, aquele que esquenta o motor para o carro funcionar; isso acontecia, antigamente, com o motorista pondo a manivela no carro e a movia até o motor começar a funcionar. Era ainda chamado de “chauffeur” de praça porque, numa praça da cidade sempre havia um local reservado para isso, que hoje é chamado de báia.
            Atualmente, os carros para isso destinados, ou seja, transporte de passageiros, são chamados de táxi e seus motoristas taxistas.
            Para maior clareza, transcrevo as definições de HOUAISS1:
            - Táxi: “veículo de aluguel para transporte de passageiros, com um taxímetro que marca o preço da corrida ou viagem;
            - Taxistas: “condutor de táxi”.
            Pois é: o taxista, na maioria das vezes quando é bom profissional, competente e responsável, sabe deixar seu cliente à vontade, descontraído, apresentando-se ao mesmo com o próprio nome e perguntando o nome do passageiro. Assim ele se abre à confiança do mesmo e este passa a confessar-lhe suas preocupações do momento. O objetivo da sua viagem – que pode ser curta ou longa, como por exemplo: ir de uma cidade à outra. Sabendo ouvir seu cliente, informalmente passa a ser seu terapeuta. É por isso que os taxistas tem na memória um número incalculável de histórias, que se fossem escritas produziriam um enorme volume.
            Aqui, vou contar, apenas, algumas histórias que se deram com meu amigo e taxista João Luís Mora Siqueira que, como sempre, com o seu bom humor, boa memória, astuto observador, me contou informalmente e às retive na minha memória.
            Tudo isso dentro da não violação de segredos, nem da identidade das pessoas e/outros detalhes que possam identificar pessoas.
            A primeira destas histórias é a dos três potiguares.
            Potiguar, como se sabe, é o nascido no estado do Rio Grande do Norte, o mesmo que rio-grandense-do-norte.
            O João Luís, um dia, foi chamado para ir buscar três passageiros, no aeroporto Viracopos em Campinas (SP). Chegou um pouco antes do pouso do avião, que vinha de Natal (RN), com duas senhoras e um senhor. O senhor procurava pelo táxi de Ribeirão Preto (SP) e logo o encontrou. Os três entraram no táxi e logo começou o diálogo. O João Luís apresentou seu nome, perguntou o nome deles e iniciou-se o quebra-gelo.
            A primeira pergunta, após ter ouvido a apresentação de seus passageiros, foi a de uma senhora que quis saber se demorava chegar a Ribeirão Preto.
            Querendo brincar com a senhora, assustando-a, disse-lhe que a viagem demoraria cerca de seis horas! Ao que a senhora lhe respondeu:
            - Virgem Maria! Não sabia que fosse tão longe não.
            O taxista logo se desmentiu e disse-lhe que entre duas horas e duas e meia, estariam em Ribeirão Preto.
            O João Luís percebeu que nos rostos dos três havia uma enorme tristeza estampada. Quando ele preguntou se vinham a “Ribeirão” para passear. Uma delas lhe respondeu:
            - Não, moço. Nós estamos indo para lá, porque meu filho está muito mal, no Hospital das Clínicas. Ele foi operado de um câncer na cabeça e não está nada bem. Ele pediu para um dos seus amigos, que desse um jeito de trazer seus pais e a madrinha, pois ele queria despedir-se deles, antes de morrer.
            E mostrando o marido, disse:
            - Esse é meu marido, ela é a madrinha dele de batismo. Os seus amigos que estão aqui, são como irmãos dele. São da mesma cidadezinha a mais de 300 quilômetros de Natal. São amigos desde pequenos. Cresceram, resolveram vir, aqui pro sul, com a esperança de ganhar dinheiro, montar uma coisa juntos e, vencerem em Ribeirão Preto. Juntos construíram uma padaria, trabalharam e, quando parecia ter sido alcançado o objetivo, meu filho um dia amanheceu com uma forte e insuportável dor de cabeça. Os amigos imediatamente o levaram a uma UBDS (Unidade Básica de Saúde), pensando que fosse um atendimento rápido e simples. Mas, não. O médico avisou aos amigos que se tratava de caso de grande complexidade e por isso, ele foi encaminhado para o Hospital das Clínicas, onde, logo, passou por cirurgia, que não adiantou. O médico informou-lhes da gravidade do seu estado, dizendo até que o amigo estava com poucos dias de vida.
            - Os dois, prontamente puseram-se de acordo e providenciaram a nossa vinda para “Ribeirão” por avião. É por isso, “Sô moço” que nós estamos aqui, graças a Deus.
            A chegada dos familiares, deu-se num sábado.
            O filho do casal faleceu na primeira terça-feira.
             

            Citações
1.  ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, RJ: Editora Objetiva Ltda, 2001.

Digitou este artigo: Vinicius Maniezo Garcia (Enfermeiro e Cuidador do Autor).

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