quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O REI E O SAPATEIRO (Serie 71, 34°)


            Há cerca de 56 ou 57  anos, um conto de Figueiredo Pimentel me persegue como se fosse uma culpa cometida e irreparável. O autor (Macaé, 1869 – 1914), foi além de poeta, contista, cronista, autor de literatura infantil, tradutor, diplomata e jornalista brasileiro.
            Trata-se de um de seus contos, inserido em um livro escolar do tempo do ginásio.
            Reproduzo-o aqui para que me entendam  minha culpa:

O rei e o sapateiro

Figueiredo Pimentel

Um rei muito bom, dotado de excelente coração, costumava sair sozinho e disfarçado, pelas ruas da cidade, a fim de poder bem apreciar as necessidades do seu povo.
Uma vez, ao passar por uma rua, ouviu alguém cantando:
Ribeiros correm pro rio
Os rios correm pro mar
Quem nasceu para ser pobre
Não lhe vale o trabalhar
O rei parou, observou a casa, e indagou quem nela residia. Era um pobre sapateiro, honesto e trabalhador, cheio de filhos, que vivia na maior miséria possível.
Sua majestade tomou nota do número e da rua.
No dia seguinte mandou preparar pelo seu cozinheiro um saboroso bolo, que encheu de moedas de ouro e fez levá-lo ao sapateiro.
Na outra tarde, passando pela mesma rua, escutou a mesma cantiga:
Ribeiros correm pro rio
Os rios correm pro mar
Quem nasceu para ser pobre
Não lhe vale o trabalhar
O rei entrou e gritou para o sapateiro:
— Esta cantiga é mentirosa, ou tu não dizes o que pensas! Onde está o bolo que te mandei ontem cheio de moedas?
— Oh! real senhor, eu não sabia! Devendo muitos favores a um amigo, enviei-lhe de presente.
Então o rei fê-lo acompanhar ao palácio. Aí, mandou-o encher um saco de ouro, e despediu-o.
O sapateiro voltava alegremente para a casa, quando de súbito caiu morto, fulminado pela comoção.
Transportaram-no para o necrotério, e acharam-lhe um papel na mão.
O delegado de polícia abriu-o e leu:
Eu, para pobre o criei
Tu rico fazê-lo queres
Agora aí o tens morto
Dá-lhe a vida, se puderes

            O que eu contesto no conto de Figueiredo Pimentel é a defesa da resignação ou determinismo social imobilidade do sujeito.
            Lendo o conto ainda adolescente, pensava do meu pobre pai, marceneiro e com seis filhos para criar. Não pensava na riqueza, mas sim, em não passar necessidade. Todo ser humano deveria ter o que comer, o que vestir, ter sua casa, seu trabalho, transporte, ferias, serviços de saúde...
            Enfim, tudo aquilo que consta na declaração Universal dos Direitos Humanos, dos direitos sócias e econômicos etc.
            A culpa que me acabrunhava era a de estar estudando num Seminário e não trabalhando para ajudar meu pai a sair da pobreza. Essa situação me fazia culpado na resignação.
            A minha posição é contra afirmar “quem nasce para ser pobre não lhe vale o trabalhar” as pessoas não nascem para serem pobres, porém, para serem felizes.
            O trabalho, alias, todo o trabalho sempre vale! Não sabe valoriza-lo o capitalista que expropria o trabalhador de sua força e devolve-lhe migalhas...
O assunto continua no contexto global de hoje, quando temos um Papa que é injustamente chamado de comunista, por defender justamente a dignidade humana, os direitos do trabalhador e que o mundo de hoje precisa de uma saída, de uma terceira via para torna-lo melhor.

Digitou esse texto Ricardo Rodrigues de Oliveira, enfermeiro cuidador do autor. 
                  


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