Há cerca de
56 ou 57 anos, um conto de Figueiredo
Pimentel me persegue como se fosse uma culpa cometida e irreparável. O autor
(Macaé, 1869 – 1914), foi além de poeta, contista, cronista, autor de literatura
infantil, tradutor, diplomata e jornalista brasileiro.
Trata-se de
um de seus contos, inserido em um livro escolar do tempo do ginásio.
Reproduzo-o
aqui para que me entendam minha culpa:
O rei e o sapateiro
Figueiredo Pimentel
Um rei muito bom, dotado de excelente coração, costumava sair
sozinho e disfarçado, pelas ruas da cidade, a fim de poder bem apreciar as
necessidades do seu povo.
Uma vez, ao passar por uma rua, ouviu alguém cantando:
Ribeiros correm pro rio
Os rios correm pro mar
Quem nasceu para ser pobre
Não lhe vale o trabalhar
O rei parou, observou a casa, e indagou quem nela residia.
Era um pobre sapateiro, honesto e trabalhador, cheio de filhos, que vivia na
maior miséria possível.
Sua majestade tomou nota do número e da rua.
No dia seguinte mandou preparar pelo seu cozinheiro um
saboroso bolo, que encheu de moedas de ouro e fez levá-lo ao sapateiro.
Na outra tarde, passando pela mesma rua, escutou a mesma
cantiga:
Ribeiros correm pro rio
Os rios correm pro mar
Quem nasceu para ser pobre
Não lhe vale o trabalhar
O rei entrou e gritou para o sapateiro:
— Esta cantiga é mentirosa, ou tu não dizes o que pensas!
Onde está o bolo que te mandei ontem cheio de moedas?
— Oh! real senhor, eu não sabia! Devendo muitos favores a um
amigo, enviei-lhe de presente.
Então o rei fê-lo acompanhar ao palácio. Aí, mandou-o encher
um saco de ouro, e despediu-o.
O sapateiro voltava alegremente para a casa, quando de súbito
caiu morto, fulminado pela comoção.
Transportaram-no para o necrotério, e acharam-lhe um papel na
mão.
O delegado de polícia abriu-o e leu:
Eu, para pobre o criei
Tu rico fazê-lo queres
Agora aí o tens morto
Dá-lhe a vida, se puderes
O que eu
contesto no conto de Figueiredo Pimentel é a defesa da resignação ou
determinismo social imobilidade do sujeito.
Lendo o
conto ainda adolescente, pensava do meu pobre pai, marceneiro e com seis filhos
para criar. Não pensava na riqueza, mas sim, em não passar necessidade. Todo
ser humano deveria ter o que comer, o que vestir, ter sua casa, seu trabalho,
transporte, ferias, serviços de saúde...
Enfim, tudo
aquilo que consta na declaração Universal dos Direitos Humanos, dos direitos
sócias e econômicos etc.
A culpa que
me acabrunhava era a de estar estudando num Seminário e não trabalhando para
ajudar meu pai a sair da pobreza. Essa situação me fazia culpado na resignação.
A minha
posição é contra afirmar “quem nasce para ser pobre não lhe vale o trabalhar”
as pessoas não nascem para serem pobres, porém, para serem felizes.
O trabalho,
alias, todo o trabalho sempre vale! Não sabe valoriza-lo o capitalista que
expropria o trabalhador de sua força e devolve-lhe migalhas...
O assunto continua no contexto global de hoje, quando temos
um Papa que é injustamente chamado de comunista, por defender justamente a
dignidade humana, os direitos do trabalhador e que o mundo de hoje precisa de
uma saída, de uma terceira via para torna-lo melhor.
Digitou
esse texto Ricardo Rodrigues de Oliveira, enfermeiro cuidador do autor.
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