quinta-feira, 31 de março de 2016

“A ALEGRIA DO AMOR” (Série 71, 237°)


“A Alegria do Amor” é o título em português da Exortação Apostólica Pós-sinodal do Papa Francisco sobre a família que deve ser publicada no dia oito próximo.
Segundo a Agência Ecclesia, a notícia desta publicação foi dada hoje, dia 31 de março, pelo Vaticano e é a seguinte:
A exortação apostólica do Papa Francisco, com as conclusões do Sínodo da Família, vai ser publicada a 8 de abril, anunciou hoje o Vaticano.
O documento tem como título ‘Amoris laetitia’, “A Alegria do Amor”.
A 18 de fevereiro, o Papa tinha adiantado aos jornalistas que o documento estava em fase de conclusão, defendendo um “trabalho de integração” dos divorciados que voltaram a casar.
“Integrar na Igreja não significa comungar, porque eu conheço católicos recasados que vão à igreja uma ou duas vezes por ano [e dizem]: «Eu quero comungar», como se fosse uma honorificência”, explicou aos jornalistas, durante o voo de regresso a Roma, após a visita de seis dias a Cuba e ao México.
Para Francisco, neste trabalho de integração “todas as portas estão abertas”, mas não é possível dizer que “de agora em diante” todos vão poder comungar.
“Isso seria ferir os cônjuges, o casal, porque não lhes permitiria fazer esse caminho de integração”, advertiu.
O Papa adiantou que o documento pós-sinodal vai retomar a reflexão sobre a “pastoral das famílias feridas”, bem como sobre a “preparação para o matrimónio”.
“Para um Sacramento que é para toda a vida, 3-4 conferências…”, lamentou.
Francisco acrescentou que outro capítulo “muito interessante” será dedicado ao tema da “educação dos filhos”, da falta de tempo dos pais.
“A palavra-chave que o Sínodo usou e que eu vou retomar é ‘integrar’ na vida da Igreja as famílias feridas, as famílias de recasados, mas não devemos esquecer-nos de pôr as crianças no centro. São as primeiras vítimas, seja das feridas, seja das condições de pobreza”, realçou.
Já em janeiro, durante as jornadas de atualização do clero da Província Eclesiástica do Sul, o presidente do Conselho Pontifício para a Família, D. Vicenzo Paglia, disse à Agência ECCLESIA que esta exortação vai mostrar uma Igreja Católica “em saída” e próxima das famílias em todos os momentos da vida.
“Estou convencido que a exortação será um hino ao amor, a um amor que quer zelar pelo bem das crianças, que sabe estar perto das famílias feridas para lhes levar força, que quer estar junto dos mais idosos, a um amor que toda a humanidade precisa”, salientou.
Os temas da família estiveram no centro de duas assembleias do Sínodo dos Bispos, em outubro de 2014 e2015, por decisão do Papa Francisco, antecedidas por inquéritos enviados às dioceses católicas de todo o mundo.
Esta será a segunda exortação apostólica do atual pontificado, seguindo-se à ' 'Evangelii Gaudium', "A Alegria do Evangelho".


Digitou este artigo Vinicius Maniezo Garcia enfermeiro e cuidador do autor.

quarta-feira, 30 de março de 2016

PIERRE TEILHARD DE CHARDIN (1 DE MAIO DE 1881 — 10 DE ABRIL DE1955) - (Serie 71 anos, 236°)


Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Orcines (França) a 1 de maio de 1881. Criado em uma família profundamente católica, Chardin entrou para o noviciado da Companhia de Jesus em Aix-en-Provence no ano de 1899 e para o juniorado em 1900, em Laval. Era a época das reformas liberais de Waldeck-Rousseau, que retirara das universidades católicas o direito de conceder graus e posteriormente dissolveu as ordens religiosas e expulsou vinte mil religiosos da França. Por este motivo, teve que deixar a França e os seus estudos prosseguiram na ilha de Jersey, Inglaterra, onde cursou filosofia e letras. Licenciou-se neste curso em 1902. Entre 1905 e 1908 foi professor de física e química no colégio jesuíta da Sagrada Família do Cairo, no Egito, onde teve oportunidade de continuar suas pesquisas geológicas, iniciadas na Inglaterra. Seus estudos de teologia foram retomados em Ore Place, de 1908 a 1912. Ordenou-se sacerdote em 1911.
Doutorou-se em filosofia em 1922, logo depois disso foi professor no Instituto Catolico de Paris.
Em 1922, escreveu Nota sobre algumas representações históricas possíveis do pecado original, que gerou um dossiê pela Santa Sé, acusando-o de negar o dogma do pecado original. Teve que assinar um texto que exprimia este dogma do ponto de vista ortodoxo e foi obrigado a abandonar a cátedra em Paris e embarcar para Tianjin na China. Este fato marcará uma nova etapa da sua vida: o silêncio sobre temas eclesiais e teológicos que duraria o resto da sua vida. Foi-lhe permitido trabalhar em pesquisas científicas e suas publicações deveriam ser cuidadosamente revisadas.
            Entre novembro de 1926 e março de 1927, estimulado pelo editor da coleção de espiritualidade Museum Lessianum, escreveu O Meio Divino a partir de suas notas de retiro. A obra foi submetida a dois censores romanos, que a consideraram aceitável. Ao ser submetida ao Imprimatur, o cônego encarregado submete a obra a teólogos romanos, que a consideraram suspeita pela originalidade. Apesar disto, cópias inéditas da obra passaram a circular, datilografadas e policopiadas.
Em Pequim, escreveu sua obra prima: O Fenômeno Humano. Encaminhou a obra a Roma em 1940, que prometeu o exame por teólogos competentes. Várias revisões foram encaminhadas sem que o nihil obstat fosse concedido.
Em 1946 retornou a Paris. Seus textos mimeografados continuavam a circular e suas conferências lotavam os auditórios. Foi convidado a lecionar no Collège de France. Diante de ameaças de novas sanções pela Santa Sé, dirige-se a Roma em 1948. A visita foi inútil: foi proibido de ensinar no Colégio da França e a publicação do Fenômeno Humano não foi autorizada.
Entre 1949 e 1950 deu cursos na Sorbonne que geraram a obra O grupo zoológico humano. Em 1950 foi eleito membro da Academia de Ciências do Instituto de Paris.
Em 1950, foi promulgada a encíclica Humani Generis pelo papa Pio XII, que na opinião de Chardin, bombardeava as primeiras linhas de seu trabalho.
Em 1951, mudou-se para Nova York, a convite da Fundação Wenner-Gren, que patrocinou duas expedições científicas na África para pesquisar sobre as origens do homem sob sua coordenação.
Teilhard de Chardin faleceu em 10 de abril de 1955, num domingo de Páscoa, em Nova York. No campo científico deixou uma obra vasta: cerca de quatrocentos trabalhos em vinte revistas científicas.
No campo filosófico, seu pensamento pode ser editado por um comitê internacional porque ele deixou do direito de suas obras para um colega, não para a sua ordem religiosa. No mesmo ano de sua morte, as Éditions du Seuil lançaram o primeiro volume das Ouevres de Teilhard de Chardin.
            Durante meu curso de filosofia, no Seminário Central do Ipiranga, em São Paulo, tivemos um grupo de estudantes coordenados pelo Ivo Storniolo com a finalidade de conhecermos a vida e a obra de padre Teilhard de Chardin, que parecia a muitos tratar-se de um herege e de um ex-condenado. Nunca me arrependi de ter feito parte deste grupo!



Obras de Teilhard de Chardin

Cartas a Léontine Zanta
Cartas de Viagem
Cartas do Egipto
Ciência e Cristo
O Fenómeno Humano
Hino do Universo
Lugar do Homem no Universo
O Meio Divino
A Minha Fé
Reflexões e Orações no Espaço-Tempo
Sobre a Felicidade / Sobre o Amor





 Digitou esse texto Ricardo Rodrigues de Oliveira, enfermeiro cuidador do autor. 



CONGRESSO DA MISERICÓDIA EM ROMA (Serie 71 anos, 235°)


Segundo a Agencia Ecclesia, o Congresso da Misericórdia acontecerá em Roma a partir desta quinta feira, dia 31 de março até domingo, dia 3 de abril.
“Segundo o cardeal Christoph Schönborn, presidente do Comité dos Congressos da Misericórdia, o evento de cinco dias pretende realçar um tema “muito importante, não só para a fé cristã mas também para o diálogo inter-religioso”.
Já o secretário daquele organismo, o padre Patrice Chocholski, destaca os momentos de “pregação e escuta, de celebração e testemunho” que vão marcar o evento.
“Creio que a parte do testemunho será a mais importante: todos precisamos de abrir o nosso coração e tocar no mais profundo sentido da misericórdia”, aponta o sacerdote.
Um dos temas em destaque no congresso será o dos refugiados e a forma como a sociedade europeia pode enfrentar esse desafio.
Esta sexta-feira, a capital italiana vai ser palco de um dos momentos altos do evento, uma “noite da reconciliação” especialmente destinada a todos os peregrinos, com confissões em todas as igrejas jubilares.
No sábado, dia 2 de abril, os participantes vão ter oportunidade de rezar com o Papa durante uma vigília de oração na Praça de São Pedro.
Um encontro que será repetido no domingo de manhã, durante a missa do Domingo da Misericórdia que vai ser presidida por Francisco na Praça de São Pedro.
Todos os trabalhos estão integrados no Jubileu da Misericórdia que a Igreja Católica está a promover até dia 20 de novembro.[1]




Digitou esse texto Ricardo Rodrigues de Oliveira, enfermeiro cuidador do autor. 





[1] Agencia Ecclesia. 30/03/2016

PAPA FRANCISCO: TRÊS ANOS DE PONTIFICADO (Serie 71 anos, 234°)


            O filosofo Massimo Borghesi da Universidade de Perugia, em entrevista, da a sua avaliação

Três anos após ser eleito, o Papa Francisco segue sendo um grande quebra-cabeça para muitos intelectuais, mas sobretudo para os acérrimos defensores das ideologias do século XX. Ele não é de esquerda nem de direita. Sua pastoral e sua linguagem acessível colocam-no mais perto do povo do que das elites eclesiais ou laicas. Você, como filósofo, como interpreta sua personalidade?
Tudo o que você disse é verdade. Desde o princípio do seu pontificado, o Papa Bergoglio fez entrar em crise os comentaristas e analistas por esse seu estilo completamente novo. Comentaristas e analistas que se esforçam para encontrar as “raízes” do Papa latino-americano para compreendê-lo, e em muitos casos para poder criticá-lo e deslegitimá-lo. Sobretudo certa corrente conservadora que nos anos de Bento XVI já tentou, sem sucesso, ajustar a imagem do Papa Ratzinger ao seu gosto, e agora acusa o Papa Francisco de ser populista, peronista, partidário da Teologia da Libertação, etc. Também o acusaram de “duplicidade jesuítica”, desempoeirando as armas de um velho laicisimo, que curiosamente hoje é empunhado pela direita católica.
Tudo isto demonstra uma boa dose de ignorância e de preconceito. O Papa Bergoglio nunca foi filo-marxista. Simplesmente nunca foi de direita. Sua Teologia do Povo nasce no contexto da Argentina dos anos 70 como resposta “católica” à teologia da revolução. Não se trata de uma concepção ideológica, mas que a fé se arraiga na mística popular, em uma tradição cristã viva, histórica, que a Igreja Institucional não pode desconhecer sem correr o risco de tornar-se abstrata e formalista. O sensus fidei do povo crente é um “lugar teológico”, assim como os pobres são os prediletos, aqueles que Deus ama de uma maneira especial. A Teologia do Povo é uma resposta às posturas ideológicas, de direita ou de esquerda, ao elitismo de marca iluminista ou ao gnosticismo que reduz a fé a “doutrina”.
De tudo isto se desprendem consequências importantes. A primeira é uma concepção “carnal”, “física”, do cristianismo. Um povo nasce de uma relação viva, real, não de uma proposta abstrata. O cristianismo, por natureza, comunica-se na situação concreta do ver-ouvir-tocar-abraçar. A isto se deve a simplicidade da linguagem evangélica, cheia de exemplos e de convites, que não se limita a instruir, mas que quer envolver o coração. Quer construir uma relação real entre Deus e aqueles que o escutam. Um Deus que o coração pode sentir: isso é o cristianismo para Bergoglio.
Um fator controverso é a suposta descontinuidade de Francisco com seus predecessores, pelo menos em nível pastoral. Esta é, na sua opinião, uma leitura correta?
Não. Na realidade, há um fio condutor que une Bergoglio com Ratzinger e consiste na percepção de que o cristianismo, em um mundo cada vez mais neopagão, só pode voltar a ocorrer se constituir um “encontro”. Assim o afirma a Evangelii Gaudium no n. 7, retomando o ponto n. 1 da Deus caritas est, que diz: “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva”. É um ponto de convergência importante, porque tanto na vida como na fé, o ponto de partida decide tudo.
Este é o ponto que Ratzinger e Bergoglio compartilham com dois grandes mestres e educadores cristãos do século XX: Romano Guardini e Luigi Giussani. Se o cristianismo, hoje assim como há dois mil anos, recomeça a partir de um “encontro”, e não da organização, da militância, da dialética, etc., então o testemunho vem em primeiro lugar. A re-presentação de Cristo no mundo é, tanto para Bento como para Francisco, a tarefa essencial da Igreja no contexto histórico atual, esse primerear fundamental que o clericalismo esquece dando-o como evidente.
Isso quer dizer que o enfoque pastoral de ambos os papas é o mesmo. A diferença, em todo caso, está no estilo. A reserva e timidez de Bergoglio são diferentes do abraço físico de Francisco. Esta dimensão de Bergoglio não é um dado que o caracteriza, mas o resultado de uma maneira de entender a fé que nasce do espetáculo do povo crente na geografia espiritual da América Latina. É o que dizia antes. A fé se alimenta dentro de um povo, de uma comunidade viva, de uma proximidade real.
No primeiro ponto da Evangelii Gaudium, Francisco afirma: “O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista”. Ou seja, o Ocidente está afetado pela tristeza individualista. Neste sentido, sem dúvida há uma diferença entre Francisco e Bento, porque há uma superação do enfoque eurocêntrico que caracteriza a visão cultural do Papa Ratzinger. Com Francisco, entra em cena a perspectiva de uma fé viva, atual, arraigada em um tecido popular e solidário, que à senil Europa parece, pela influência iluminista, a herança de um passado muito distante.
Que juízo merecem as reformas e inovações de Bergoglio (como o redimensionamento da cúria, a sinodalidade, a atenção às “periferias” e a modernidade), à luz do Concílio Vaticano II?
São reformas que se inscrevem na perspectiva aberta pelo Concílio Vaticano II. O redimensionamento da cúria – a reforma mais difícil! – corresponde a uma política de economia e procede em consciente oposição ao processo de burocratização eclesial que imperou nas últimas décadas. A cúria deve recuperar a sobriedade no desempenho de suas funções, evitando na medida do possível carreirismos e protagonismos que prejudicam seriamente o ministério petrino. Neste sentido, a discrição que caracteriza o atual secretário de Estado é um claro exemplo.
Outra reforma refere-se ao exercício sinodal, a forma que a autoridade deve assumir na Igreja. Bento XVI já havia falado desse tema em uma entrevista concedida à Rádio Vaticano de 5 de agosto de 2006, auspiciando um pontificado não monárquico. O problema de superar a forma “monárquica” e absolutista do papado é um ponto central de reflexão desde o Vaticano II. Inclusive o diálogo com a Igreja ortodoxa, que acaba de viver um momento culminante com o abraço entre Francisco e Kirill, requer uma volta ao enfoque eclesial do primeiro milênio.
Quanto ao encontro entre fé e modernidade, Bergoglio não tem dúvidas. Disse em várias oportunidades: o Concílio Vaticano II constitui o encontro entre a Igreja e o mundo moderno. É um ponto sem retorno. Isso significa, em primeiro lugar, uma rejeição da teologia política, do uso político da religião. Com respeito a Ratzinger, o matiz que distingue Bergoglio ao propor a relação entre fé e modernidade consiste em que o moderno não é só europeu, mas também latino-americano. A América Latina é um contexto onde a secularização não levou à “privatização”, à solução individualista da fé.
Do Iluminismo europeu resgata a clara distinção entre Igreja e Estado e o tema dos direitos e liberdades. Ao contrário, rejeita seu elitismo intelectualista, seu rosto não popular. Neste sentido, a perspectiva da “periferia” corrige a perspectiva do centro. Mas trata-se de uma correção, de um ponto de vista privilegiado, não de uma alternativa terceiro-mundista ao Ocidente. Quem interpreta assim o Papa Francisco comete um grave erro. A visão de Francisco é “polar”, e uma polaridade fundamental é entre o “centro” e a “periferia”.
No magistério social, que ocupa uma parte importante do seu pontificado, a atenção que o Santo Padre dá ao tema do meio ambiente e é sintetizado na Laudato si’, configura um espaço novo e original. A ecologia passa a ser pela primeira vez objeto de interesse para a Igreja ou neste sentido a encíclica é antes um ponto de chegada, embora seja intermediário?
A encíclica Laudato si’ é um documento que foi muito criticado mas pouco lido. Criticado pela direita liberal, sobretudo nos Estados Unidos, porque interpreta o texto como um perigoso ataque contra a doutrina do laisser-faire, contra a doutrina do mercado acima de qualquer limitação ética ou jurídica. Na realidade, a encíclica critica severamente o “paradigma tecnocrático” que na era da globalização se impõe sem limites. É o mesmo paradigma que leva a considerar os idosos, os embriões com patologias, os doentes terminais, as pessoas com deficiências e os pobres em geral como “descartados”, seres inúteis, não produtivos, pesos mortos para a sociedade.
A devastação ecológica de regiões inteiras do planeta é fruto de um modelo que simultaneamente rejeita a humanidade débil e desprotegida. As correntes da direita cristã que lutam contra o aborto e a eutanásia não captam este duplo vínculo, e então são completamente liberais em matéria ecológica e ambiental, subordinando-se aos interesses do neocapitalismo mundial. Como afirma a Laudato si’ no número 117: “Quando, na própria realidade, não se reconhece a importância de um pobre, de um embrião humano, de uma pessoa com deficiência – só para dar alguns exemplos –, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza. Tudo está conectado”.
Em sua análise do paradigma tecnocrático como módulo dominante na economia das últimas décadas, Bergoglio se deixa guiar pela reflexão sobre o poder na era da técnica desenvolvida por um de seus autores preferidos, Romano Guardini. A Laudato si’ está cheia de citações de Guardini.
Por último, observamos que a importância da questão ecológica como problema planetário começa em Bergoglio de sua clara consciência de que os países da “periferia”, da África, da América Latina, etc., se converteram no depósito de lixo do mundo. O que o Ocidente protege para si mesmo, com a proteção da natureza e do meio ambiente, é destruído nos países mais pobres, que sofrem a exploração indiscriminada de seus recursos, o desmatamento, a contaminação da água e do ar e a reciclagem de resíduos tóxicos. A questão ecológica afeta diretamente as periferias, os subúrbios do planeta, não as verdes campinas do mundo rico.
Com relação à diplomacia vaticana. Um grande êxito de Francisco foi ter posto paz entre Cuba e os Estados Unidos depois de 50 anos. Paralelamente, está trabalhando na frente ecumênica ortodoxo-católica (é histórico o seu encontro com o patriarca Kirill), e também para salvar o Oriente Médio do abismo e os cristãos medio-orientais da perseguição. A que novo ordenamento geopolítico poderia levar o trabalho diplomático do Papa?
Sem dúvida há três questões sobre o tapete. A primeira: apoiar o processo de distensão entre o Leste e o Oeste, entre a Rússia e o Ocidente, para evitar um conflito cujos resultados seriam catastróficos. O abraço entre Francisco e Kirill tem um valor geopolítico enorme. Assim como teve, na sua época, a mão que Francisco estendeu a Putin com sua oração em São Pedro pela paz na Síria, para frear o projeto estadunidense de intervir diretamente na guerra contra Assad. Sem avalizar os planos hegemônicos do Kremlin, o Papa contribuiu para que a Rússia pudesse sair do beco sem saída em que perigosamente a haviam encurralado.
A segunda questão está relacionada com a anterior. Trata-se de apoiar todos aqueles fatores que possam favorecer processos de paz na Síria e no Oriente Médio, para proteger os cristãos e os próprios muçulmanos. O respeito que Francisco mostra pelo Islã, junto com a firme crítica contra o fundamentalismo religioso, tem como objetivo a convivência pacífica dos povos. Sobretudo os que estão sendo desgarrados por trágicas guerras civis. É o que a direita cristã não entende, aferrada ao cenário teocon do enfrentamento entre o Islã e o Ocidente.
A terceira questão importante para o Papa é a China. O sonho de relações diplomáticas plenas, que garantam a completa liberdade do catolicismo chinês, é sem dúvida um dos grandes desejos de Francisco. Já foram dados passos importantes e sinais de respeito recíproco. O futuro está nas mãos de Deus. Também neste caso, uma relação plena ajudaria para o encontro entre o Ocidente e o Oriente, que sempre redundaria em benefício da paz no mundo.
A informalidade deste Papa, seus frequentes discursos improvisados, a facilidade com que dá entrevistas, também são objeto de polêmica. Em definitiva, que tipo de linguagem utiliza?
É uma linguagem simples acompanhada pela linguagem do rosto, das mãos, do corpo. Em seu livro O sonho do Papa Francisco, o Pe. Antonio Spadaro descreve muito bem este aspecto do testemunho papal: “Bergoglio – afirma Spadaro – ‘habita’ a palavra que pronuncia. Assim como ele não é capaz de viver sozinho, mas necessita de uma comunidade, da mesma maneira sua palavra tem necessidade de assumir uma forma para aqueles que tem diante de si. Nunca é pronunciada porque é bela, mas porque é capaz de construir uma relação com o Evangelho. A palavra de Bergoglio é filha do sermão humilde de Santo Agostinho, porque quer ser uma ‘palavra-casa’, bela, acessível e clara, ‘suave’. Por isso, sempre se caracteriza pela oralidade, pelo diálogo, mesmo que esteja escrita. As palavras tomam corpo”.
Com relação à “informalidade” do Papa, Spadaro recorda que para Francisco ser “normal” é uma condição do ser cristão. Este homem, que hoje se converteu em um ícone midiático mundial, rejeita todos os clichês das “estrelas”, em primeiro lugar fazer alarde de distância e de excepcionalidade. O Deus semper maior entrou no mundo como um Deus absconditus, que participa plenamente da normalidade da vida. Como a famosa imagem do Papa que sobe as escadas do avião levando ele mesmo sua pasta preta.
Nunca um Papa recebeu tantas críticas precisamente no mundo católico. Na sua opinião, são críticas puramente ideológicas ou nascem de interesses concretos que Francisco coloca em discussão?
As duas coisas. Não há dúvida de que as reformas e o estilo de vida do Papa podem incomodar, momentaneamente, privilégios e carreiras construídos em base a sólidos interesses. Na Igreja, o clericalismo e a burocracia caracterizaram as últimas décadas. A desorientação diante de um Papa que utiliza um carro comum é bastante grande. Neste caso, o melhor ataque é acusá-lo de demagogia, de populismo, de buscar o aplauso das multidões. Na realidade, por trás das críticas não é difícil adivinhar cargos e ambições. Por isso, muitos esperam atrás de uma janela a passagem do ciclone e que tudo volte a ser como era antes. Enquanto isso, é suficiente atualizar a linguagem eclesiástica – as “periferias”, os “últimos”, a “misericórdia” – sem que nada mude realmente.
Por outro lado, é preciso entender que hoje Francisco é a única voz relevante, em nível mundial, que se opõe verdadeiramente à “ideologia” da globalização, ao dogma de um sistema econômico que dissolveu a esfera política e criou antíteses profundas dentro e entre os Estados. Diferenças que são a premissa para enfrentamentos, violências e guerras futuras. Atenuar os contrastes sociais é um imperativo para a paz no mundo; é isso que Francisco tem em mente.
O liberalismo econômico, sem freios, não construiu a unidade do mundo, mas todo o contrário. Na sociedade, criou a dupla exclusão de idosos e jovens sem trabalho. Os dois pólos da sociedade, os idosos – que são a memória de um povo – e os jovens – que são seu futuro, sua esperança –, são os excluídos, os “descartados” em um mundo obcecado pelo seu próprio presente. Nisto consiste a atual decadência do mundo, que já não tem uma visão de seu próprio futuro porque cortou as raízes de seu próprio passado. Bergoglio não é um “progressista” iluminista. Sabe que não há progresso se não se proteger a memória popular, a memória dos “avós”, que não devem ser enxotados em casas geriátricas, mas que devem proteger os seus netos.
A direita católica, subordinada à direita liberal, não compreende a riqueza deste enfoque. Acusam o Papa de ser “modernista” e não compreendem que fazem o jogo de um neocapitalismo individualista e cínico, primeira causa da “revolução antropológica” que hoje dissolve toda certeza moral. Esta incapacidade para identificar o verdadeiro adversário é o ponto fraco de um pseudo-pensamento católico que perdeu as coordenadas para compreender o momento presente.




 Digitou esse texto Ricardo Rodrigues de Oliveira, enfermeiro cuidador do autor.