terça-feira, 15 de março de 2016

PAPA FRANCISCO: TRÊS ANOS DE PONTIFICADO (Serie 71 anos, 218°)



            Na Família Cristã, edição italiana, do dia 10 de março do corrente Pe. Federico Lombardi volta ao tema do terceiro ano de pontificado do Papa Francisco, com o artigo denominado “Três anos de Francisco: o Papa narrado por seu porta-voz”:
            Eu estava no meu gabinete na Santa Sé, e meus colegas me esperavam na sala de conferências para um primeiro comentário. Sentia-me emudecido... Aos poucos fui criando coragem e disse duas coisas que me pareciam claras, e que achava importante colocar em relevo, como duas grandes novidades: o nome Francisco – pela primeira vez – e o fato de que era latino-americano.
Tomar um nome que ninguém tinha escolhido ainda – e que nome! – indicava liberdade, coragem e clareza formidáveis. Pobres, cuidado da criação, paz, como teria explicado, poucos dias depois, o próprio Papa. Sua proveniência do “fim do mundo” trazia naturalmente uma perspectiva nova, um ponto de vista diferente sobre as situações e as perguntas da humanidade e da Igreja, que não teriam deixado de se fazer presentes. Parece que não me enganei.
Confesso que as outras novidades naquela tarde ou dos dias sucessivos – veste, modo de apesentar-se ao povo, deslocamento em ônibus junto com os outros, automóveis utilitários... – não me pareciam tão perturbadores: fortes, mas espontâneos. Nestas coisas era relativamente fácil reconhecer um coirmão jesuíta.
Nos dias seguintes, porém, as novidades não faltaram e também eu compreendi melhor, pouco a pouco, a personalidade do novo Papa. Por exemplo, por um certo tempo continuei a pensar que, na medida que o papa tomaria maior consciência do novo cargo e das exigências práticas, ele mesmo teria decidido de voltar a usar o apartamento papal, ou de qualquer forma, buscaria uma solução diferente da Santa Marta. Mas não foi assim.
A determinação de mudar, não só o lugar, mas também os equilíbrios consolidados do sistema organizativo da vida do Papa, das relações com os colaboradores, estava, desde o início mais firme e clara do que eu poderia ter imaginado. Não foi fácil aprender a converter-se ao seu novo estilo, à sua liberdade de expressão espontânea, às suas anotações pessoais e aos seus telefonemas...; mas, aos poucos, fomos compreendendo e apreciando seus motivos e seu grande valor. Muitos “de longe” o compreenderam mais rapidamente do que nós, “próximos”.
Santa Marta e as outras novidades 
Novidade era também o estilo da sua relação pessoal  de pastor com os outros, e com o povo. A novidade da Missa matinal na Santa Marta, com um bom grupo de fiéis, sua homilia, que logo aprendemos a esperar com grande interesse cada dia, seu contato pessoal, no final da missa, com todos os presentes. A capacidade de envolver o povo no Ângelus ou nas celebrações, interpelando-o diretamente e convidando-o a responder ou a rezar junto... A liberdade dos gestos e a concretude das expressões tocavam imediatamente, mas em profundidade, o coração das pessoas.
Neste sentido, uma das primeiras experiências importantes que fiz pessoalmente foi aquela da Missa da Santa Ceia, na primeira Quinta-feira Santa, no cárcere juvenil de Casal Marmo. Segundo o uso litúrgico habitual, estava previsto que o lava-pés seria feito somente com rapazes. Permiti-me de fazer chegar ao Papa um discreto recado sobre o desconforto dos jovens e do capelão, e a resposta foi praticamente imediata. Como todos sabemos lavou também os pés de meninas e de muçulmanos, como já tinha feito em Buenos Aires...
Pessoalmente, como sacerdote, o aspecto que mais me tocou, no novo pontificado, é o fato que o Papa Francisco conseguiu em tempo brevíssimo fazer entender a muitíssima gente – seja dentro, que “fora” da Igreja – que Deus os ama, deseja e perdoa sempre, sem nunca cansar. Disse e repetiu infinitas vezes desde os primeiros dias. Todos tínhamos sofrido muito com a imagem de uma Igreja severa, do “não”, antes que do “sim”, fortificada sobre preceitos prevalentemente negativos e fora do tempo. Sabíamos perfeitamente que era uma imagem injusta, completamente diferente daquela que procurávamos dizer e testemunhar; mas o clima cultural dominante ia num sentido e nós não conseguíamos muda-lo.  
Sinodalidade: caminhar juntos
Não há dúvidas de que o papa Francisco conseguiu isto de modo bem eficaz, o que me deu grande e profunda alegria. E não se trata de algum aspecto secundário do serviço: o Jubileu da Misericórdia alarga e aprofunda a mensagem de amor, de perdão, de reconciliação: confirma-o e o faz passar através de inúmeras portas em todos os ângulos da Terra, a começar não de Roma, mas de Bangui, das periferias levada ao centro espiritual do mundo...
Papa Francisco fala de “Sinodalidade”, vive em primeira pessoa a condição de crente em caminho, e coloca a Igreja em caminho, para que saia de si para o encontro das periferias, porque somos “discípulos missionários”. Renovou profundamente os métodos e o espírito das assembleias do Sínodo dos Bispos, pôs em caminho uma “reforma” da Cúria romana, que não se sabem bem quando terminará... Mas isto não é problema, o mais importante é que se ponha em caminho, confiando-se ao Espírito do Senhor, sem sermos nós a querer prefigurar onde e quando devemos chegar.
Francisco certamente é corajoso e confiante, caminha na fé e na esperança. Para viver serena e alegremente com ele, seu pontificado deve procurar participar das suas posturas, caso contrário se sentira turbado e amedrontado, ou se sentirá bloqueado e incapaz de percorrer as vias e territórios novos nas relações pastorais, sobretudo quando se trata de temas delicados e complexos como aqueles da família ou das relações ecumênicas...
Cultura do encontro
Uma das palavras de Francisco que me soaram novas, e levei algum tempo para compreender, foi aquela da “cultura do encontro”. Compreendi, então, que para ele o encontro concreto entre as pessoas é fundamental. Encontro com Deus, encontro pessoal com Jesus Cristo acima de tudo, mas também encontro com seus colaboradores, com líderes religiosos, com responsáveis das nações, e o encontro com indivíduos quem procuram de uma palavra de conforto e de proximidade (seus telefonemas! Obviamente uma gota na miríade de pessoas que gostariam, mas, em todos os casos, uma mensagem exemplar para todos).
Fiz mais vezes, sempre na ousadia de ser compreendido, um pequeno paralelo entre o mundo do papa Bento e o do papa Francisco, quando relatavam seus encontros e colóquios com chefes de Estado. Bento XVI: a concisa, precisa e excepcionalmente lúcida indicação dos temas tratados. Francisco: as características da personalidade humana e das atitudes do interlocutor. Ambas aproximações de extraordinária profundidade. Em Francisco, o encontro com outra pessoa concreta aparece em plena e prioritária evidência.
Certamente os encontros do Papa Francisco são uma das vias mestras da presença dinâmica da Igreja, também em nível ecumênico, inter-religioso e internacional. Basta pensar aos já múltiplos encontros do Papa com o patriarca ecumênico Bartolomeu, ao recentíssimo encontro com o patriarca de Moscou Kirill, ou a nova linha de relações ecumênicas com o mundo evangélico pentecostal representado, por exemplo, pelo seu amigo pastor Traettino de Caserta, ou a participação  à anunciada celebração dos 500 anos da Reforma, em Lund, na Suécia... À celebre amizade com o rabino Abraham Skorka e o muçulmano Omar Abboud, e ao tríplice abraço diante do Muro das Lamentações: um sinal destemido e novo.
Em nível internacional, a clamorosa reaproximação entre Cuba e Estados Unidos foi, certo, ao menos em parte, propiciado pelo carisma de Francisco e do seu impulso na direção da reconciliação entre os povos. O evidente, e já mais vezes mencionado, desejo de conseguir um encontro com a China, poderia enfim tornar-se uma realidade? Certamente Francisco não faz mistério que incita nesta direção. Ele crê na força dos encontros ainda mais que nas mesas de negociação. Ele serve, assim, pessoalmente, ao diálogo e à paz.
Uma referencia para todos
Em três anos de pontificado, papa Francisco viajou para todos os continentes, à exceção da Oceania (Ásia, Europa, África, América Latina e Caribe, América do Norte), respondendo às expectativas de povos muito diferentes, mas sempre desejosos e atentos aos seus gestos e palavras. Já tinha falado no Parlamento Europeu, em 2015 falou aos Movimentos Populares, como também ao Congresso Americano e às Nações Unidas em Nova Iorque e em Nairóbi. Publicou a Encíclica Laudato si’,  na qual interceptou com grande largueza de horizontes e equilíbrio as grandes perguntas da humanidade, sobre a cuidado da “casa comum”, criticando radicalmente a “cultura do descartável”, em contexto de responsabilidade e de reflexão global, atenta à ciência, à religião humana, à visão religiosa da pessoa e do mundo. Sua autoridade assumiu dimensão de fato “global”, respeitada universalmente e capaz de oferecer um verdadeiro serviço de orientação à humanidade em caminho.
Muitas coisas aconteceram em três anos. Um caminho de escuta do Espírito, mais do que na atuação de projetos e estratégias humanas. Não esqueçamos, portanto, de rezar pelo papa Francisco, como ele nos pede todos os dias.[1]


























Vito Mancuso avalia os três anos de pontificado do papa Francisco, nestes termos:

Os gestos do papa Bergoglio são revolucionários?
Talvez, sim, na medida em que é revolucionário o Evangelho. Estes gestos nos impressionaram por são genuínos, pela energia interior, porque têm um sabor de pão feito em casa. Mas o problema deste pontificado é que à radicalidade dos gestos não corresponde a do governo. O Papa não é chamado necessariamente a ser profeta mas ele é aquele que deve governar a Igreja católica, o seu primeiro legislador. E a fortíssima popularidade de Francisco, particularmente no primeiro período, poderia tê-lo a opções mais corajosas.
Falemos dos dois Sínodos sobre a Família. Foram um desastre?
Falar de desastre é impossível porque foram celebrados, produziram documentos. Mas não os considero um sucesso, porque ainda estamos esperando a exortação apostólica que o Papa deve escrever para entender como resolverá o principal nó: o dos sacramentos aos divorciados que novamente casaram.
A solução apontada no último sínodo, que confia tudo à decisão do confessor, lhe parece inadequada?
O orientamento do pontificado deve ter uma direção precisa, mesmo respeitando o discernimento de cada pastor. Vamos privilegiar o cuidado pastoral de cada pessoa ou a tradição? Isto, no momento, não está claro.
O Papa devia proceder com uma reforma 'motu próprio'?
Acho que sim. Mas são tantos os campos em que poderia fazer opções de governo mais claras. Quando foi eleito, se pensava que faria um boa limpeza na estrutura mas, pelo contrário, ainda vemos escândalos, como revelaram os livros de Nuzzi e Fittipaldi. Houve erros na seleção de colaboradores, como Balda e Chaouqui. E mais, não basta fazer a opção de Santa Marta enquanto há cardeais vivendo ricamente no luxo. Também na questão da pedofilia, as grandes palavras - tolerância zero, proximidade das vítimas - não tiveram consequências canônicas. Por exemplo, não levaram à demissão de prelados poderosos e paparicados.
O cardeal Pell deveria ser obrigado a pedir demissão?
Lembro as palavras de Francisco: um bispo que encobriu, ainda que parcialmente, padres culpados destes crimes horríveis não pode ficar no posto. Isto ele disse mais de uma vez. Há a questão não resolvida das mulheres na Igreja. Todos os Papas exaltam o gênio feminino. Mas no mundo protestante há mulheres que são bispas, ou ao menos, pastoras. Entre nós não se chega nem a falar do diaconato".
Quais são, no entanto, até agora, as 'pérolas' deste pontificado?
A atenção aos pobres, à justiça social, à ecologia, a esplêndida encíclica Laudato si'. Francisco é um dos poucos líderes mundiais com uma coerência pessoal: vive em primeira pessoa o que diz, a sua mensagem é límpida. Vai até o México, na fronteira, e enraivece alguns políticos americanos, fala da saúde do planeta e se posiciona contra as multinacionais. Faz muito bem o profeta e isto o ajuda a obter os grandes sucessos da diplomacia pontifícia. Refiro-me às relações com as outras religiões, à intervenção na Síria, no primeiro ano, à operação Cuba.
E a Itália. Para a Conferência Episcopal Italiana - CEI - as uniões civis foram uma prova importante. Qual foi o papel do Papa?
Em parte, houve a influência de Francisco. O empenho do mundo católico no tal Family day pareceu-me menos totalizante do que no passado. Mas também aqui há uma certa ambiguidade: refiro-me à intervenção de Bagnasco a favor do voto secreto no Senado, que foi uma recaída nas tendências ruininas (Cardeal Ruini, ex-vigário da diocese de Roma) de interferência. Por que o presidente da CEI não foi substituído? Quer-se dar a imagem de uma Igreja perenemente unida e concorde cerrando fileira atrás do Papa. Mas isto é somente retórica eclesiástica. Há uma foto, que tuitei. Para mim ela é um emblema do isolamento do Papa.

E as nomeações de novos bispos?
Este é um dos aspectos positivos do pontificado, ao menos para quem, como eu, que partilha a visão de Martini, que falou de uma Igreja católica duzentos anos atrasada. O critério não é mais o vertical. São pescados, de baixo, pastores que demonstraram grande proximidade do povo de Deus. Assim foi a  nomeação de Palermo, Pádua, Trento e aqui em Bolonha, onde Zuppi, apoia a construção de uma mesquita, e chega depois de Biffi que, mais que outros, esbravejava contra os muçulmanos.
Este Papa será capaz, no futuro, de ainda nos surpreender?
Otimismo da vontade, pessimismo da razão. Eu temo o efeito boomerang. Nos apareceu como um Papa que mudaria tudo e, no entanto, quase tudo está parado. Houve uma clara caída do número de fieis nas audiências de 2015 comparadas com as de 2014. E também o Jubileu não está andando como previsto.
Na Igreja católica estão aumentando de intensidade duas forças diametralmente opostas: os inovadores, onde me incluo, e os que, ao contrário, pedem para voltar à "sadia tradição". Uma característica difusa, sobretudo entre os padres jovens. O Papa está no centro. Se não decide, ele se arrisca de passar como um belo meteoro luminoso.[2]



















O jornal oficioso do Vaticano, publicou:

Com efeito, a partir da noite da eleição o Papa testemunhou e anunciou incessantemente o Evangelho, de maneira transparente e imediata, para falar a todos. Numa continuidade evidente com os predecessores e com o seu predecessor (que pela primeira vez desde há muitos séculos renunciou ao pontificado), a ponto de assumir e assinar a sua última encíclica, quase terminada e por ele feita sua. Ao mesmo tempo, com novidade de expressões e de olhar, como indicaram imediatamente a escolha do nome e a proveniência, declarada pelo próprio Pontífice acabado de eleger, «quase do fim do mundo», ambas sem precedentes.
Por conseguinte, a missão orientada para o anúncio do Evangelho, antes de tudo testemunhado em primeira pessoa, mas também reconhecido no compromisso de muitas pessoas. Como na vigília do terceiro aniversário da eleição em conclave o Papa quis repetir, observando que «muitas mulheres e homens suportam coisas pesadas, incómodas, para não destruir a família, para ser fiéis na saúde e na doença, nas dificuldades e na vida tranquila: é a fidelidade. E são corajosos!».
Ao cuidado da família e ao acolhimento das famílias feridas, Francisco dirigiu nestes anos uma atenção constante com palavras, gestos e decisões. Convidando a Igreja e sobretudo cada uma das comunidades cristãs a um caminho comum que culminou na convocação de duas assembleias sinodais sobre um tema tão crucial. Com uma escolha que, depois de meio século da instituição do Sínodo dos Bispos por Paulo VI, está em perfeita coerência com as indicações conciliares.
Primeiro bispo de Roma que por razões de idade não participou no Vaticano II, Bergoglio é também o primeiro Papa a ser seu filho em sentido pleno. Assim à escolha da sinodalidade uniram-se as do diálogo ecuménico e entre as religiões, juntamente com o realce da colegialidade. Eloquente neste sentido foi sobretudo a decisão, tomada exatamente um mês depois da eleição, de constituir um conselho de cardeais que o está coadjuvando na obra de reforma das estruturas centrais da Igreja.
Com efeito, a necessidade de renovação é contínua, precisamente como a exigência da conversão. Assim, apoiado por um consenso muito vasto na Igreja e em medida notável fora dos seus confins visíveis, Francisco é determinado. E face a oposições e resistências inevitáveis mantém firme a chamada à misericórdia, ao coração do Evangelho. Como demonstrou a proclamação de um ano santo extraordinário que quis iniciar pessoalmente em Bangui, coração da África. Para dizer ao mundo que, apesar de tudo, este é o tempo favorável para mudar.[3]
























A Huffington Post publicou: Papa Francisco, ano quarto


No dia 13 de março, o Papa Francisco inicia o seu quarto ano como o Bispo de Roma e pastor para o mundo. Os seus três primeiros anos foram fascinantes em muitos sentidos, atraindo uma quantidade excepcional de atenção, inclusive para uma era saturada de mídia. Através da palavra e do exemplo, ele prega o evangelho que continua perto do ensino do próprio Jesus. Não é um papado dos privilégios, das prerrogativas e da pomposidade, mas um papado da defesa profética dos pobres, marginalizados, fracos, enfermos, imperfeitos, descartados, contra sistemas econômicos e políticos que os tratam como preguiçosos e perdedores, merecedores de desprezo e punição. Com pelo menos um candidato presidencial nos EUA esbanjado a sua riqueza abundante, falando alto sobre a necessidade de se praticar a tortura e sobre o fim dos direitos humanos, rebaixando o Papa Francisco, estão à vista de todos a grosseria e o ódio da hostilidade juntamente com uma voz eloquente em defesa dos pobres.
Muitos católicos e outros ao redor do mundo acompanham de perto o que o Papa Francisco diz e faz. Ele atrai grandes multidões quando viaja tanto para os centros do poder, tais como a Casa Branca em Washington, como para lugares relativamente marginais. Em séculos passados, as pessoas que tivessem permissão para se encontrar com o papa deviam se genuflectir e beijar os seus pés. Hoje, vemos estes papéis invertidos, quando é o papa, o Vigário de Cristo, quem se ajoelha para lavar é beijar os pés de prisioneiros e empobrecidos. Em séculos passados, a pena de morte era imposta até mesmo nos Estados Papais; mas, pelo menos, desde o papado do Beato Paulo VI, e especialmente desde o papado de São João Paulo II, os pontífices papas pedem por misericórdia e reabilitação para até mesmo os crimes mais hediondos. A Igreja, hoje, ensina que a dignidade dessas pessoas como seres humanos e o chamado delas ao discipulado de Cristo continuam intactos, não importa o que de errado fizeram. Em seu discurso ao Congresso americano, o Papa Francisco levantou o tópico da defesa da vida humana e se focou na necessidade de abolir a pena de morte em todos os lugares. O ensinamento da Igreja sobre a pena capital desenvolveu-se em uma direção que a exclui em todos os casos. Aqueles que dizem que o ensino católico é inalterável não sabem muito de história.
O tipo de pessoa beatificada e canonizada pode também mudar. Ainda que Dom Oscar Romero tenha sido morto em 1980 enquanto presidia uma missa, a causa de sua beatificação foi retardada durante décadas por apologistas da violência da ala direitista em El Salvador. Mas, perto do fim do papado de Bento XVI e decididamente com o Papa Francisco, os atrasos chegaram a um fim: o Papa Francisco fez de Romero um mártir e transformou o seu serviço aos pobres em um exemplo para outros. Pôr-se em defesa dos oprimidos e marginalizados, dos refugiados e migrantes, não é mais uma coisa entre tantas outras para Francisco: ela está exatamente no centro da vocação cristã.
A encíclica do papa sobre o meio ambiente (Laudato Si’) possui uma abundância de notas de rodapés, notas que muitas pessoas provavelmente não leram, mesmo entre as que pensam que deram ao documento uma cuidadosa atenção. No entanto, uma das coisas mais interessantes a respeito desta encíclica é como ela se fundamenta não só no ensino dos primeiros papas e concílios, mas também nos ensinamentos recentes das conferências episcopais ao redor do mundo: na América Latina, na Ásia, na Nova Zelândia, bem como na Europa e América do Norte. Uma encíclica é um documento de ensino publicado por um papa; Francisco deixa claro que ele também ensina de um jeito colegiado, uma forma que não é meramente suas opiniões peculiares, pessoais, para se aceitar ou não de acordo com o capricho de cada um. A Laudato Si’ é um ensino católico oficial tanto quanto qualquer outra encíclica já produzida. Ela também convida ao diálogo, especialmente sobre os aspectos práticos de como deter as mudanças climáticas e preservar o ambiente natural.
A oposição a esta encíclica não demorou a chegar, particularmente a partir de interesses escusos que poderiam ver a acumulação da riqueza extravagante ameaçada por legislações nacionais ou por acordos internacionais destinados a reduzir a dependência sobre os combustíveis fósseis e outros fatores-chave na degradação ambiental. O Papa Francisco demonstra como é o pobre, e as partes mais pobres do planeta, que mais sofrem com tal degradação. Alguns alegam que o Papa Francisco e a Igreja Católica não conseguem entender os empresários, mas não seria o contrário: certos empresários que não conseguem reconhecer a verdade e a justiça do ensino social católico? Como outras vozes proféticas, o Papa Francisco convida os seus ouvintes ao arrependimento e à conversão radical. Às vezes, ele soa como um pregador quaresmal, mesmo quando não se está no período da Quaresma. Por exemplo: as suas “felicitações de Natal” à Cúria Romana em dezembro de 2014 ecoaram João Batista no deserto convocando para uma reforma drástica da vida. Mas tais apelos são, sobretudo, um chamado a uma vida nova, de graça e misericórdia, e a um discipulado aprofundado e humilde de Jesus, o Bom Pastor.
Nos meses de outubro de 2014 e 2015, os bispos se reuniram em sínodo na cidade de Roma para discutir e debater o acompanhamento pastoral da família. O Papa Francisco definiu o assunto, a mesmo tempo fomentando um debate livre e um discernimento orante a respeito de algumas das questões mais difíceis, onde o cuidado pastoral misericordioso é desafiado pelos que buscam sustentar o que afirmam ser leis, regras, normas imutáveis e não intercambiáveis. Para os rigoristas, a adesão ao que diz o texto da lei supera todas as demais considerações, não importa quais sejam as consequências catastróficas de uma tal severidade. Como os jansenistas do século XVII, eles não confiam nos jesuítas, enxergando-os como brandos em se tratando do pecado e excessivamente otimistas a respeito da natureza humana. Mas Francisco, o papa jesuíta, em sua homilia de encerramento do Sínodo dos Bispos 2015, afirmou que os verdadeiros defensores da doutrina são os que defendem não a sua letra, mas sim o seu espírito: eles põem as pessoas acima das ideias, e a misericórdia de Deus acima das condenações. Para o Papa Francisco, que chama a si mesmo de pecador, a misericórdia não é simplesmente o tema de um ano especial; é o elemento perene do que é divino e, mais plenamente, humano.[4]







O vaticanista espanhol José Manuel Vidal concedeu entrevista em que ele diz: “O Papa tem o inimigo em casa e são inimigos muito poderosos”, afirma vaticanista espanhol

Meu balanço é muito positivo. Eu acredito que foi espetacular o que conseguiu. Primeiro, mudando a tendência de fundo, ao descongelar o concílio, ao voltar a colocar o espírito do concílio – com tudo o que isto acarreta – em primeiro plano. Só isso é fundamental, é uma mudança tremenda. Depois, mudou o espaço do Papa, seu tempo. Agora, o Papa já não dedica o seu tempo aos grandes, nem aos ricos, nem à hierarquia. Dedica seu tempo fundamental aos pequenos, aos mais pobres. Este Papa não é como os outros em nenhum sentido, em nenhum aspecto. Na forma de vestir, na forma de andar, inclusive no exemplo. Este Papa prega com o exemplo. Sua grande contribuição é que tudo o que diz, primeiro faz. Não exige dos demais o que ele não fez primeiro. Eu acredito que esses são os grandes avanços, além dos avanços concretos. Criou magistério, ou seja, a coisa não pode retroceder porque já existe magistério criado.
Esta mudança de tendência que, em sua avaliação, o Papa Francisco empreendeu é irreversível?
Eu acredito que é irreversível. Primeiro, porque criou magistério. A tendência não é só uma mudança esporádica, gestual, de linguagem e superficial. É uma mudança de fundo, que também está apoiada no magistério e, portanto, o próximo Papa nunca poderá recuar. Poderá atenuar, mas será obrigado a seguir esta tendência. Entre outras coisas, porque as pessoas não o entenderiam. Afinal, a Igreja é como qualquer outra instituição que vende seu produto às pessoas, e ele está seduzindo o povo com esse tipo de Igreja aberta, samaritana, hospital de campanha, com lugar para todos. Essa é a dinâmica. Portanto, caso não queiram perder capital humano, e não querem perdê-lo porque já estão ao fundo, o próximo Papa terá que seguir o caminho marcado, com suas adaptações, com outra forma, mas seguindo as linhas de fundo.
Apesar disso, você sustenta que “o poder real quem tem é a Cúria”. Em que estado se encontra a reforma da Cúria, empreendida pelo Papa? Está estagnada?
Não, isso caminha. Claro que não tão depressa como alguns gostariam. Reformou-se o IOR (Banco Vaticano), todo o mecanismo econômico. Isso está limpo. Também está limpo o setor das comunicações, está reformado, por isso cria uma Secretaria de Comunicação, com um prefeito novo (Darío Viganò). E agora resta o outro polo para mudar, os grandes dicastérios da Cúria, está nisso. Eu acredito que antes do verão (boreal) vão ser mudados absolutamente todos.
Você denunciou a “invisibilização” da mensagem do Papa. Em sua opinião, dos grandes temas que ele apresenta, quais são os que provocam mais irritação?
Eu acredito que a denúncia do sistema capitalista que cria descartes, que deixa grandes setores da população nas sarjetas da história e da vida, e que não é capaz de fazer com que um trabalhador com um trabalho digno seja capaz de levar o pão para casa todos os dias. O fato de que o Papa de Roma, convertido em líder absolutamente global – com uma autoridade moral que ninguém discute, está acima de qualquer líder global neste momento –, questione a raiz do sistema operativo do capitalismo, o capitalismo que cria desigualdade, que não satisfaz as demandas de terra, teto e trabalho, está produzindo irritação no grande sistema mercantilista, corporativista que rege o mundo. Já não podem freá-lo. Por isso, agora, a estratégia consiste em invisibilizar e silenciar os argumentos que atacam a raiz de um sistema que cria cada vez mais pobreza, por isso suas grandes mensagens a este respeito nunca aparecem.
Segundo vaticanistas, o Papa enfrenta uma forte resistência em setores da Cúria. Quais são esses detratores?
Os grupos de poder na Cúria funcionam como lobbies, como cordas que se sujeitam entre si e há um cabeça em cada uma dessas cordas. Normalmente, esses cabeças são italianos, os grandes cardeais italianos como Sodano, Bertone, Re e alguns estrangeiros que foram acrescentados. Todos eles funcionam como autênticos atrelamentos, então se o Papa começa a lhes cortar privilégios, começa a caminhar em um sentido que não querem, eles atuam na obscuridade e à luz abertamente. O que aconteceu? Deram de cara com um Papa que tem uma capacidade de manobra estratégica, política impressionante e que tem caráter. Está convencido de que tem uma missão para cumprir e sabe que precisa cumpri-la, e se alguém lhe obstrui o caminho, irá tirá-lo do meio.
É um Papa solitário?
Eu acredito que tem muitíssimo mais apoio das bases que qualquer outro Papa do povo e talvez menos apoio do alto clero que qualquer outro Papa. Tem o inimigo em casa e são inimigos muito poderosos, porque estão acostumados a mexer os pauzinhos nas sombras e fazem isto há mais de 30 anos. Em outro momento, qualquer outro Papa teria cedido diante do poder de manobra de toda esta gente que está metida na Cúria.
Até onde acredita que o Papa pode chegar com suas reformas, sem provocar um cisma, como advertem conservadores europeus?
O Papa não quer arrebentar a corda. Esticar muito a corda significa romper, e na Igreja o máximo bem é a comunhão, que significa que a unidade não seja rompida, que não haja um cisma. Então, por isso terá cuidado. Por isso, nos temas mais delicados vai muito devagar e ao ir devagar desconcerta as pessoas de esquerda. O equilíbrio entre esticar e não arrebentar é o que mais vai lhe custar, é o que mais lhe está custando neste momento.
A respeito dos casos de pedofilia, você afirma que o Papa gostaria de “dar um soco na mesa”. No entanto, o tribunal que criou em junho, para julgar os bispos acusados de acobertar padres, parece não avançar tão rápido. Qual é a sua opinião?
Não está avançado. Eu acredito que as inércias levam um pouco à política anterior, a querer esconder, acobertar, a não colocar em funcionamento realmente eficaz, então o que estão fazendo ao Papa, no atual momento, para que não alcance seus objetivos é lhe dizer sim, mas delongar muito para ativar medidas concretas. Já faz quase um ano que colocou em andamento esse tribunal e não está sendo operativo. Criou uma comissão, da qual fazem parte cardeais, bispos e vítimas, e dessa comissão acaba de sair uma das vítimas porque diz que (a comissão) não está fazendo nada.[5]






Alberto Melloni escreveu:
“Os três anos de Francisco. Artigo de Alberto Melloni”

Esse papa cristão não acredita em um uso imperioso do governo. Talvez também assume como óbvio que, depois dele, pode chegar um Pio XIII, que pode reorganizar todo o jogo. Ele vive as suas convicções sobre a sinodalidade como um modo de ser da Igreja, e sobre o Evangelho como anúncio que fala para todos, e sobre o pobre como sacramento do Cristo pobre.
A opinião é de Alberto Melloni, historiador da Igreja italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 14-03-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Mesmo hoje, quando se olha para o conclave de 2013, percebe-se a dificuldade que Francisco produziu em todos. A fim de não se defrontar com o cristianismo do papa – porque este papa é um cristão que diz que o Evangelho basta –, debruça-se sobre uma leitura adocicada do conclave, como se o bispo de Roma, um dos pouquíssimos que, na Igreja Católica, ainda é indicado com o antigo método da eleição, fosse feito pelo Espírito, em grande segredo. Em vez disso, o direito canônico é minucioso ao dizer que o bispo de Roma funciona ao contrário: são homens de carne e osso que carregam a responsabilidade da sua escolha diante de Deus.
O segredo era uma cautela antiressurgimental; e as regras querem, acima de tudo, que a designação não dê origem a desconfortos e contestações.
Isso é tão verdade que até mesmo Bergoglio, há três anos, quando se assomou à sacada, usou uma fórmula bastante tradicional: "O dever do conclave é de dar um bispo a Roma. Parece que os meus irmãos cardeais foram buscá-lo quase no fim do mundo". Mas aquela eleição de um papa cristão do Sul – como se no Norte do mundo tivessem acabado – pôs as mãos em uma desordem sistêmica por causa da qual a Igreja estava se debatendo e que tinha pouquíssimos precedentes nos cinco séculos passados.
Não era uma questão de escândalos da Cúria: porque o mais recente dos seus vícios tem cerca de 500 anos. Não era uma questão de dinheiro: porque, se os únicos ladrões de Roma estivessem dentro dos muros vaticanos, Roma seria o Éden. Não era o problema de antagonismos virulentos entre pequenos homens e pequenos mundos do poder eclesiástico italiano que tinha contraído doenças terríveis, ao ter relações desprotegidas com a direita mais opaca da Europa. Não era nem mesmo a questão dos escândalos de fundo sexual: estes também estão muito longe de serem específicos. Não era a existência de uma engrenagem depreciativa em que, de vez em quando, até mesmo algum maquinista esmagava o dedo. E muito menos a abertura de lojas onde se compram e vendem cartas pessoais do papa para alimentar rumores e fortunas à sombra de moralismos muito falsos.
O sentido da decadência decorria da sensação de que um erro radical no diagnóstico desses males tinha feito a Igreja entrar em um impasse implacável, diante do qual Ratzinger tinha se retraído, esperando, assim, abrir o caminho para alguém que, com maior força, pudesse usar aquele desastre para imputá-lo ao Concílio, ao pós-Concílio, às aberturas e às esperanças que tinham percorrido a Igreja nos 50 anos anteriores.
O pré-conclave, como todos já sabem, amadureceu um diagnóstico oposto, até mesmo desfocado: não eram as Conferências Episcopais, as teologias da libertação, as aspirações de diálogo que tinham feito mal para a Igreja, mas "os italianos". E, portanto, era preciso buscar um papa que excluísse "os italianos" da corrida, das capitulações do conclave, do amanhã de uma Igreja que, na dureza límpida do elóquio de Bergoglio, na sua austera simplicidade, pudesse fazer uma reviravolta.
E a reviravolta chegou pontualmente, letalmente: pondo diante dos olhos de 1,2 bilhão de fiéis e de alguns outros bilhões de curiosos a simplicidade de um cristão, de um papa cristão. Que, com o seu cristianismo, seduz e desloca, orienta e desorienta os três "partidos", se assim se pode dizer, que na Igreja Católica se consolidaram no início do século XIX e que – se se pudesse brincar com coisas tão sérias – poderíamos chamar de PRP, PNF, PCI e MPB.
Ele desorientou o Partido Reclamão Progressista: aquele que, graças à contínua produção de conservadorismos estranhos por parte da autoridade, que culminaram com o retorno das rendas e das bijuterias barrocas de uma liturgia narcisista, podia ficar parado diante da moviola e denunciar a sua inutilidade com preciosismos dolentes.
Ele desorientou o Partido das Nostalgias Febris, atravessado por lamentos que se passam por "Tradição" e que, durante décadas, se contentou com esconder as próprias tibiezas doutrinais e morais em um rigorismo cujo exagero levantava suspeitas em cada pessoa sábia.
Desorientou o Partido dos Cínicos Impunes: aquele cujos expoentes vociferantes se sentem parte de um "poder eterno" e olham de forma dissimulada para Francisco, que, como dizem alguns, "até pode ser cristão, como você diz, mas não é nada imortal".
Mas o papa também desorientou o Movimento dos Papagaios Bergoglianos: aqueles que, até 40 meses atrás, faziam tudo "in veritate", e agora veem "misericórdia" até mesmo nas borras de café, bebidos estritamente "nas periferias". Desorientados pelo fato de que "Deus teve piedade da Igreja". Não porque a "escolha" de Bergoglio venha de Deus de modo diferente daquela que levou todos os outros bispos – que são todos vigários de Cristo para as Igrejas locais "nas quais e a partir das quais" se gera a comunhão universal – às cátedras da catolicidade: tomar esse caminho um pouco espiritualista obrigaria, de fato, a se perguntar sobre como é possível que, para um "assim", Ele escolheu tantos "assado".
É melhor, então, como ele fez naquela noite, se limitar a dizer que a escolha de Francisco foi feita pelos cardeais. Alguns, sabendo que "o homem é assim", como dizia o mais importante e hábil dos seus eleitores; alguns, deixando-se levar pela onda de um consenso que, em 2005, não pôde ser medido até o fim, porque o cardeal Martini em pessoa temia que, se, com a retirada de Ratzinger, se fosse rumo a um duelo Ruini-Bergoglio, o papado se tornaria novamente italiano.
Esse papa cristão, portanto, não acredita em um uso imperioso do governo. Talvez também assume como óbvio que, depois dele, pode chegar um Pio XIII, que pode reorganizar todo o jogo. Ele vive as suas convicções sobre a sinodalidade como um modo de ser da Igreja (explicava isso muito bem um dos seus teólogos de confiança, Dom Marcello Semeraro, no L'Osservatore Romano do dia 11 de março), e sobre o Evangelho como anúncio que fala para todos, e sobre o pobre como sacramento do Cristo pobre, como uma possibilidade que coloca cada um diante de um dilema: se ele fizer os bispos "cristãos" e mostrar que os bispos também podem se tornar cristãos, se ele fizer os cristãos "cristãos" e mostrar que os cristãos mornos também podem se tornar cristãos, ele terá cumprido a sua vocação de pastor.
Se não conseguir, tanto faz: a única ovelha que permaneceu no rebanho, olhando do redil as 99 que vagam entre sórdidas mesquinhezes, poderá vê-las voltarem com os seus pastores cheios de ambições frustradas para as margens do cercado, invejosas por verem lá dentro uma ovelha com um pastor que cheira ao odor cristão do Bom Pastor.[6]






















De Marco Politi:

“Papa Francisco, a solidão do maratonista”

Francisco começou uma obra de limpeza no IOR, fechando milhares de contas, estabelecendo regras detalhadas para a abertura e o monitoramento das contas correntes, criando uma comissão antilavagem de dinheiro, firmando acordos de cooperação judiciária com muitos Estados, deixando que agências internacionais independentes peneirassem as finanças vaticanas, instituindo um Secretariado para a Economia, encarregado pelo controle dos contratos (eterna fonte de corrupção) e pelo monitoramento dos orçamentos das administrações individuais da Santa Sé.
Francisco é o primeiro pontífice que processou por pedofilia um arcebispo diplomata vaticano (Jozef Wesolowski), colocando-o na prisão, e que criou um tribunal especial para os bispos negligentes na perseguição dos abusos sexuais nas suas dioceses.
Francisco iniciou uma reforma da Cúria. Propôs uma nova abordagem pastoral na temática sexual – da superação do veto à comunhão aos divorciados recasados ao respeito pelas escolhas de vida dos homossexuais – até recebendo no Vaticano um transexual com a sua namorada.
Francisco lançou a ideia de colocar as mulheres em posições de responsabilidade na Igreja, lá onde "se decide e se exerce a autoridade". Francisco dialoga com os não crentes e é o primeiro pontífice a escrever uma encíclica (sobre a ecologia) partindo de dados científicos para chegar às escolhas que um cristão deve fazer em nome do Evangelho, em vez de colocar na cátedra a "doutrina", pregando para a ciência como ela deve se comportar.
Francisco começou a nomear bispos, escolhendo-os entre pessoas não carreiristas, imersas na vida paroquial de todos os dias. Cutucando os padres a não serem burocratas dos sacramentos e os bispos a não se acreditarem como príncipes. E fustigando os males que afligem parte do pessoal da Cúria: narcisismo, autorreferencialidade, Alzheimer espiritual.
Francisco desvinculou a Santa Sé da política italiana, relançou a presença internacional do Vaticano no cenário internacional, abriu um diálogo com os ortodoxos russos e com os protestantes no 500º aniversário da Reforma de Lutero. Ele mediou entre EUA e Cuba, evitou em 2013 uma invasão ocidental na Síria (que hoje Obama reconhece que teria sido um trágico erro). Convidou para Roma o presidente chinês, Xi Jinping. Esses são fatos.
Mas o fato que mais chama a atenção enquanto ele começa o quarto ano do seu pontificado é a enorme resistência que o aparato eclesiástico lhe opõe, não só na Cúria Romana, mas também na massa dos episcopados espalhados pelo mundo. É uma resistência que nasce do tradicionalismo, do conservadorismo mais estreito, do medo do novo, do cômodo apego à rotina, de uma visão doutrinária do cristianismo, da recusa da maioria dos padres e bispos de assumirem um estilo de vida pobre, abandonando o dos funcionários do sagrado. Novos escândalos financeiros indecentes explodem, como mostrou o Vatileaks 2.
A maioria dos bispos não apoiou Francisco nos dois Sínodos sobre a família para que houvesse regras claras para a readmissão à Eucaristia dos divorciados recasados e para que fosse reconhecido o valor positivo das uniões homossexuais. A maioria dos bispos não move um dedo para fazer com que as mulheres assumam papéis de liderança nos inúmeros órgãos eclesiásticos (onde não estão em jogo poderes sacramentais). A maioria dos bispos se recusa a apoiar a regra de que um bispo tem a obrigação de denunciar à autoridade judiciária um padre predador de menores. Muitos cardeais eleitores – dos Estados Unidos e não só – não votariam mais em Bergoglio em um conclave.
A Igreja é um organismo enorme, composto por mais de 1,2 milhão de fiéis. Um enorme corpo institucional, inervado por milhares de bispos, centenas de milhares de padres, freiras, freis, centenas e centenas de milhares de membros de associações, movimentos, instituições de vários gêneros. Mover esse corpo na direção de uma reforma radical, que sacuda das estruturas e das práticas da Igreja "200 anos de pó" – como disse o cardeal Martini antes de morrer – é uma operação muito fatigante.
Com a lucidez do bobo da corte, Benigni disse que Francisco "tenta puxar a Igreja para Jesus Cristo". Nesse esforço, Bergoglio está substancialmente sozinho, no sentido de que só uma minoria na Igreja o apoia concretamente. A grande maioria dos fiéis o aplaude, mas fica olhando.
Falta, de baixo, um forte movimento de bispos, padres, teólogos, fiéis comprometidos. Como aconteceu, ao contrário, durante o Concílio Vaticano II, quando, em muitas partes da Igreja, se manifestavam iniciativas de apoio ativo à virada reformadora.
Ao contrário, desencadeou-se na rede uma campanha anti-Bergoglio extremamente agressiva. Francisco, criticam-no alguns dos seus defensores, cometeu dois erros: não mudou todos os chefes da Cúria e não transformou as suas exortações em instruções a serem seguidas. Isso não parece estar no seu temperamento.
[7]Só 40% dos católicos praticantes italianos (SWG, agosto de 2015) acha que ele vai conseguir mudar a Igreja e a Cúria. Assim, ele continua a sua corrida na solidão do maratonista. E o tempo do pontificado, por sua declaração, não é muito.



















Eugenio Scalfari escreveu:

Três anos atrás, Bergoglio decidiu se chamar Francisco. Artigo de Eugenio Scalfari.


O Papa Francisco completou no dia 13 de março três anos do seu pontificado. Ainda me lembro de quando o cardeal camerlengo da Santa Igreja Romana, assomando-se à sacada do Palácio Apostólico depois da fumaça branca, comunicou o nome que o papa tinha escolhido: a praça lotada e a Via della Conciliazione já haviam explodido em um aplauso ensurdecedor, mas, quando conheceu aquele nome, o aplauso se tornou uma ovação e aumentou ainda mais quando Francisco apareceu.
Pessoalmente, eu acompanhava o evento pela televisão: temos janelas que nos mostram o Panteão sob os olhos de quem olha o panorama; pouco mais adiante, o excêntrico campanário de São Ivo, depois a cúpula da Santa Inês e, por fim, no fundo, a cúpula de São Pedro, de Michelangelo.
Eu olhei intensamente aquele panorama, depois desviei o olhar para a minha esquerda: havia o Janículo, e se via distintamente a estátua de Garibaldi a cavalo. Lembro-me também do episódio que faz parte da história da Itália do Ressurgimento: Garibaldi e a sua "legião lombarda" tinham combatido em 1849 na Porta San Pancrazio contra os franceses que queriam esmagar a república romana e levar novamente o papa para lá. Garibaldi, depois de um sangrento confronto, ordenou a retirada. Enquanto os poucos garibaldinos que permaneceram atravessavam o Janículo, Nino Bixio apontou o canhão de que dispunham para a cúpula de São Pedro com a ideia de fazê-la saltar pelos ares, mas Garibaldi o viu e o deteve: "Você enlouqueceu?". Assim, ele o impediu, e a cúpula, desse modo, foi salva.
Eu tinha sob os meus olhos Francisco e Garibaldi.
Confesso que essa associação feita pelos meus pensamentos me comoveu. Na minha idade, comover-se é fácil, mas nunca pensaria que, com o Papa Francisco, eu teria um contato estreito, a tal ponto que ele, em um certo ponto da nossa relação, me disse que me considerava como um amigo e, enquanto me dizia isso, me abraçou.
Peço desculpas por ter começado contando os meus sentimentos antes de entrar no mérito deste artigo dedicado a Francisco no dia do seu aniversário como pontífice, mas os sentimentos fazem entender melhor os pensamentos que deles derivam, e esses sentimentos produziram uma amizade muito valorizada por mim (e espero que também por ele) entre o papa católico e um não crente como eu sou.
Escrevi várias vezes e já o disse várias vezes em voz alta que Francisco é um revolucionário. Um espírito profético e revolucionário. Ele mesmo também tem uma linguagem afetuosamente irônica e, em um telefonema recente, do dia 2 de dezembro, ele começou me dizendo: "Alô, sou um revolucionário". Era a tarde do dia posterior ao seu retorno de uma viagem à África, onde ele abriu a primeira porta desse Jubileu.
Como todos sabem, esse Jubileu extraordinário (os ordinários ocorrem a cada 25 anos) é dedicado à Misericórdia, e é daí que eu quero partir para indicar os pontos de fundo desse evento revolucionário.
A misericórdia é um valor típico do Sagrado, mas não apenas: é ou, melhor, deveria ser também um valor civil, até mesmo social. Alguns o confundem com o perdão, mas não é assim. O perdão pressupõe um pecado que o pecador admite que fez e do qual se arrepende. Esse não é apenas um fato religioso. Se o que uma religião define como pecado for também um crime que diga respeito à justiça e às leis, a confissão pode ser considerada como um atenuante, mas que não apaga o crime, com as consequências do caso.
Como fato religioso, em vez disso, o arrependimento comporta a absolvição acompanhada por um percurso penitencial.
Eu me lembro que o cardeal Martini, de cuja amizade fui honrado, me disse que o sacramento mais importante de todos é a confissão e o percurso penitencial que o pecador deve seguir, e ele certamente não é obrigado a recitar alguns Pater Noster e algumas Ave-Marias. Para os pecadinhos, tudo bem, mas não para os graves.
Francisco, quando fala dos pecadores, faz duas considerações. A primeira é a pouca importância dos "pecadinhos" determinados pelo caráter da pessoa, pelo ambiente em que vive, pelas tentações que sofre e as quais, às vezes, não sabe resistir.
Mas, depois, restam os pecados verdadeiros, graves, produzidos pelas escolhas do mal em vez do bem. Deus nos deu o livre arbítrio, e como (assim pensa o papa) dentro de nós, de todos nós, existe uma vocação para o bem e uma para o mal, se escolhemos esta última, o pecado é grave, e o pecador deve tomar o processo penitencial que tem o objetivo de convencer aquela alma para seguir a vocação do bem. Esse, aliás, é o objetivo da Igreja missionária que Francisco lançou como tarefa exclusiva da religião católica.
Sobre esse ponto, nas nossas conversas, houve um aprofundamento. Se o pecador não se arrepende e, depois, cai doente e chega ao ponto da morte e, naquele momento, se arrepende, o perdão de Deus é certo.
À objeção apresentada por mim de que esse arrependimento poderia ser feito como uma hipotética vantagem para o Além, a resposta de Francisco foi: o Senhor vê dentro das almas e, portanto, sabe se o arrependimento é real ou determinado por um cálculo de segurança. E, depois, acrescentou mais outra coisa: "Pode acontecer que o moribundo tenha o desejo de se arrepender, mas não chegue ao arrependimento propriamente dito. Isso é suficiente para o Senhor, e essa alma está salva".
Eu perguntei: a Igreja missionária tenta evocar a escolha do bem, mas quem decide em que consiste o bem? A Igreja ou a pessoa chamada a escolher com o seu critério? A resposta foi: "A pessoa, a menos que não seja uma escolha intimamente hipócrita". Eu tive essa indicação durante os nossos encontros e também a escrevi, mas depois a reencontrei no L'Osservatore Romano quando ele publicou algumas declarações públicas de Sua Santidade.
Não é revolucionário? Qual é o pontífice que chegou a lançar uma Igreja missionária desse tipo? E, acima de tudo, qual é o papa que quis que a atividade da Igreja fosse exclusivamente reservada à missão, renunciando a todo temporalismo político?
A Igreja sempre foi missionária, e a Ordem dos Jesuítas principalmente, mas a Missão sempre conviveu com o temporalismo que Francisco, ao contrário, desconfessou sem reservas.
O verdadeiro confronto com uma parte do episcopado mundial e, especialmente, do ocidental ocorre nessas questões. Francisco considera a Igreja institucional como uma espécie de hospital de campanha ou como o armazém onde se conservam os recursos para financiar os serviços.
A única frase que, nas nossas conversas, eu o ouvi dizer em francês foi: "L'intendance suivra". A intendência era precisamente a Igreja institucional, que deve ter contatos e resolver questões políticas "de serviço" com governos estrangeiros.
Não é por acaso que, à frente da Secretaria de Estado, está Pietro Parolin. É um ótimo diplomata, mas, ao mesmo tempo, é um sacerdote capaz de curar as almas. Talvez seja a pessoa mais próxima de Sua Santidade, o seu mais íntimo interlocutor.
Mas há um outro ponto fundamental na Missão que o Papa Francisco assumiu como objetivo a perseguir: a Misericórdia, da qual já mencionamos, mas que é oportuno aprofundar.
A Misericórdia não tem nada a ver com o perdão dos pecados. É um dom, é o requisito motivador da religião cristã, é a característica saliente da divindade. A definição mais clara e direta está no lema "Ama o teu próximo como a ti mesmo", que dá uma legitimidade ao amor para consigo – necessário para assegurar a sobrevivência do indivíduo – contanto que seja compartilhado com igual amor pelo próximo.
Sua Santidade, porém, nestes tempos obscuros que estamos vivendo, modificou esse lema dizendo "Ama o teu próximo mais do que a ti mesmo". É aí que está a sua revolução que se transfere para a política.
A política, a alta e nobre como Aristóteles a considerava, deve levar em consideração e assumir os valores que os tempos pedem. Amar o próximo mais do que a si mesmo deve se tornar um valor que se realiza especialmente com políticas sociais, pleno emprego, assistência aos fracos, inclusão dos excluídos, educação à ética pública, competência, honestidade. Pensem na corrupção desenfreada, pensem nos refugiados e nos imigrantes, e vejam qual é o sentido político-religioso do Papa Francisco.
Por fim, há o conceito do deus único, do qual ele fez a característica mais distintiva do seu pontificado.
Que o deus é único é um conceito até mesmo óbvio. Isso não descarta que igualmente difundido é o convencimento de que esse deus único é seu, e a sua propriedade é exclusiva. Assim, há o deus muçulmano, o deus judeu, o deus católico, o deus cristão, mas não católico, que, por sua vez, se distingue em ortodoxo, luterano, protestante, anglicano, valdense e assim por diante. Naturalmente, há também os deuses hindus e outras divindades do Oriente Médio e Distante.
Francisco reitera continuamente que não pode ser reivindicada a propriedade de deus. Diversas são as escrituras e os modos para chegar a ele. Moisés, Abraão, Jesus Cristo, Maomé e outros. Mas esses percursos, enquanto são feitos, nunca devem obscurecer a unicidade da divindade em geral e das monoteístas em particular.
Essa posição de Francisco exclui o fundamentalismo, combate-o e, de algum modo, excomunga-o. Esse é outra contribuição de alta política do papa. O fundamentalismo é o pai do terrorismo que se vale de uma religião profanada à sua imagem e semelhança, e está ensanguentando todo o mundo dos modos mais horríveis e desumanos.
Por fim, há a relação de Francisco com os não crentes. Somos muitos que cultivam essa relação, motivada pelo fato de que, entre as prescrições que concluíram o texto final do Concílio Vaticano II, destaca-se aquela que fala da necessidade de que a Igreja se encontre com a cultura moderna.
Francisco fez dessa necessidade uma das suas tarefas principais. Talvez a mais difícil, porque a modernidade nasce e envolve uma cultura inspirada pelo relativismo e pela laicidade.
A relação entre laicidade e fé religiosa, de fato, não é fácil de se instaurar e também envolve (mas Francisco está bem consciente disto) alguma mudança na Igreja.
Devo dizer que o lema "Ama o teu próximo mais do que a ti mesmo" certamente é um ponto de encontro com uma laicidade retamente entendida. Mas é preciso trabalhar ainda sobre isso, de um lado e de outro, para realizar esse encontro com plenitude de resultados, mantendo as diferenças nos modos de conceber a relação entre além e aquém.
Caríssimo Francisco, feliz aniversário pontifical e muitos votos pelo teu trabalho de paz, de amor pelo próximo, de misericórdia, que os não crentes também compartilham.[8]





























De John L. Allen Jr:


“Na marca de três anos, Francisco é um papa ao estilo “tanto uma coisa quanto outra”

Compreende-se por que esse debate ainda continua, pois há provas abundantes para sustentar quaisquer das opções.
É possível, no entanto, que a resposta correta esteja diante de nós o tempo todo, e o fato de às vezes ser difícil captarmos o seu significado pode acabar dizendo mais sobre a nossa cultura polarizada do que sobre o papa.
Baseado em tudo que vimos e ouvimos, parece claro que a resposta certa é “as duas coisas”.
Nesse sentido, o Papa Francisco pode ser entendido como sendo a personificação viva da ideia de “tanto uma coisa quanto outra”, que faz parte do DNA católico, mas que está cada vez mais difícil de se compreender em um mundo onde falsas dicotomias existem em abundância.
Historicamente, conforme o Papa Bento XVI disse certa vez, o catolicismo foi a grande tradução cristã do “tanto uma coisa quanto outra”. Quando o protestantismo levantou a dúvida sobre se as Escrituras ou a Tradição baseiam-se na autoridade, o catolicismo respondeu que eram “as duas coisas”. Da mesma forma, quando Martinho Lutero perguntou se a Salvação advém da fé ou da obra, a resposta católica novamente foi “as duas coisas”.
Francisco tem muito disso consigo.
Em vários fronts, o seu papado vem significando uma novidade boa para a ala progressista da Igreja. Isso é especialmente verdade em se tratando de seus movimentos no departamento pessoal: em Madri, Chicago, Bolonha e alhures, o papa substituiu prelados fortemente conservadores por líderes de centro-esquerda. Tais nomeações são importantes, porque estes bispos irão exercer influência por um longo tempo.
No entanto, Francisco é também claramente “conservador”, no sentido de que ele é o papa há três anos e ainda não alterou uma única vírgula no catecismo, o compêndio oficial do ensino católico. Ele disse não à ordenação feminina, não ao casamento gay, definiu o aborto como o mais terrível dos crimes, defendeu a proibição do controle de natalidade e nos demais temas polêmicos ele se declarou um “filho leal da Igreja”.
Francisco representa uma maior misericórdia e compaixão às pessoas que não vivem de acordo com tais ideais, o que ficou expresso em seu dizer “Quem sou eu para julgar?” sobre os gays em julho de 2013.
Ao mesmo tempo, de forma alguma isso implica ser brando na questão do pecado. Na verdade, quando Francisco fala sobre as estruturas e os comportamentos, e não de pessoas de carne e osso, ele pode ser marcadamente julgador.
Este é um pontífice que obviamente crê que o diabo é real, que existe um diabo pessoal e um inferno, e que a tentação ao pecado é um fato constante na vida.
Em termos de sua personalidade, a sua ênfase na humildade e simplicidade não é um mero exercício de relações públicas. O seu sonho de uma “Igreja pobre para os pobres” remonta aos anos de arcebispo de Buenos Aires, quando era conhecido como o bispo das favelas.
Se você quiser ter um olhar para o interior deste papa, aqui vai uma dica: por debaixo deste aspecto exterior reside amente de um estrategista jesuíta brilhante. Ele tem uma estratégia, e não é nada bobo. 
Francisco é um líder reformador, porque isso fazia parte dos desejos do grupo que o elegeu três anos atrás. Ele está se esforçando para injetar transparência, responsabilização e profissionalismo nas operações vaticanas, começando pelas finanças.
Ele igualmente é um líder revolucionário, ainda que no nível da prática pastoral, e não no nível doutrinal.
Se isso soar abstrato demais, apresento este exemplo concreto: um casal gay quer matricular o filho em uma escola católica. Uma opção seria dizer não, a fim de não causar escândalo. Uma outra opção é dizer sim, sustentado no fato de que ter algum contato com a fé é melhor do que nenhum. Ambas as respostas estão de acordo com o ensino católico, porém enviam mensagens diferentes.
A revolução de Francisco está se desdobrando neste nível, levando a Igreja em direção a uma postura mais acolhedora.
Em outras palavras, uma razão por que Francisco continua sendo um teste difícil de se decifrar é que o seu destino é ser um papa ao estilo “tanto uma coisa quanto outra” numa era que “é e não é”.
Claro, isso não significa defender cada decisão ou declaração que o papa faz. A maior parte do que um pontífice diz ou faz não é matéria de dogma, sendo iminentemente discutível – um ponto que Francisco seria o primeiro a concordar, conforme demonstrou recentemente, por exemplo, com relação à declaração conjunta que assinou em fevereiro com o Patriarca Kirill da Igreja Ortodoxa Russa, e que foi vista por alguns como um golpe de propaganda política para Moscou.
Por outro lado, o Papa Francisco nos traz uma grande alegria em um mundo polarizado: até onde diz respeito a Igreja Católica, e com uma dose saudável de moderação, é bem possível ficarmos felizes com uma pequena fatia do bolo e, com ela, nos deliciarmos também.[9]


















Robert Mickens escreveu:


“Três anos de um pontificado extraordinário. Mas… chegou a hora de o papa abordar temas candentes”


De certa alguma forma, é difícil acreditar que, neste domingo (13-03-2014), o primeiro papa jesuíta e nascido no Novo Mundo estará celebrando apenas o seu terceiro aniversário de pontificado.
O papa marcará esta data de um jeito que não deve surpreender ninguém: ele o fará jantando com alguns dos desabrigados que frequentemente procuram comida e um lugar para descansar na região em torno do Vaticano.
O único papa a tomar o nome do santo pobre e querido de Assis está trabalhando pesado para mudar a mentalidade de seus companheiros católicos, encorajando-os – pela palavra e pelo exemplo – a se tornarem “uma Igreja pobre para os pobres”.
Ele também tem dado testemunho sobre o que significa ser uma Igreja humilde e misericordiosa, que caminha com a humanidade pecadora em um diálogo respeitoso, e como um viajante companheiro numa jornada incerta, em vez de uma Igreja centrada em pregar absolutos morais e admoestações – na maior parte sobre as chamadas “questões pélvicas” – desde uma distância segura de seus santuários higienizados.
Um pouco de ar fresco
Dentro da comunidade eclesial em si, o Papa Francisco restaurou o senso de “normalidade” sobre o que significa ser Igreja, principalmente pondo de lado as polêmicas polarizantes em torno do que constitui a interpretação correta do Concílio Vaticano II e abandonando tentativas inúteis de simular a vida e o culto católicos do período pré-Vaticano II.
Apesar da oposição feroz dentro da Cúria Romana – oposição ainda que dissimulada –, ele se pôs metodicamente a reformar a burocracia central da Igreja. Infelizmente, as mudanças foram poucas até agora, mas Francisco prometeu que, nesse objetivo, não irão dissuadi-lo.
E o mais importante: ele igualmente está lançando cuidadosamente as bases para aquilo que pode ser a mudança mais significativa na estrutura de governo da Igreja em mais de mil anos: a mudança de uma forma monárquica e centralizada de comando para um modelo sinodal e subsidiário mais próximo da prática da Igreja primitiva.
O pontífice de 79 anos, assim como João XXIII fez mais de meio século atrás, trouxe um ar fresco e uma grande esperança extremamente necessários às pessoas na Igreja e no mundo todo. E, por isso, ele ganhou com razão a admiração de católicos e não católicos.
Tudo isso é muito encorajador.
Porém…
Sim, sempre há um “porém”. E, nesse caso, ele é bem grave e bastante preocupante.
Todas as coisas boas que o Papa Francisco conseguiu até agora não só corre o risco de ser ofuscado, mas todo o seu pontificado pode ser significativamente posto em perigo caso ele não comece imediatamente a agir de forma mais decisiva em, pelo menos, duas questões que preocupam profundamente um segmento significativo de seu rebanho: a pedofilia e o papel das mulheres dentro da Igreja.
A sua negação – ou simplesmente a sua falta de interesse em – abordar seriamente estes dois temas causa perplexidade e é profundamente decepcionante para muitos católicos que, por outro lado, o acham um papa extraordinariamente inspirador. Ele vai perder o apoio destas pessoas e afastar inúmeras outras caso não comece a agir.
Abusos sexuais clericais e bispos errantes
É um fato simples e indiscutível que o Papa Francisco não priorizou, em seu pontificado, tratar os casos de abuso sexual dentro da Igreja Católica. Os poucos passos que ele deu – a criação de uma comissão consultiva para a proteção (tutela) dos menores de idade e um tribunal para responsabilizar os bispos por má-conduta no tratamento em casos dessa natureza – vieram após a insistência de outros, principalmente do Cardeal Sean O’Malley, arcebispo de Washington, membro do Conselho dos Cardeais.
Mas nenhum destes dois órgãos – a Comissão para a Tutela dos Menores e o tribunal eclesiástico – produziu resultados visíveis. A comissão composta por 17 membros, presidida por O’Malley, reuniu-se somente duas vezes desde que foi criada há dois anos. E ela já removeu (pelo menos temporariamente) um dos dois sobreviventes de abusos sexuais participantes da Comissão – Peter Saunders, britânico – por ser sendo demasiado crítico sobre a inação do papa e de um de seus assessores principais (o Cardeal George Pell), que supostamente teria acobertado casos de pedofilia e bullying décadas atrás na Austrália.
Incrivelmente, Francisco nunca participou de um encontro desta Comissão, apesar dos pedidos para que ele se fizesse presente. Ele nunca também se encontrou com os seus membros enquanto grupo. Na verdade, demorou mais de um ano depois de sua eleição até que viesse a se encontrar oficialmente com alguém que fora sexualmente abusado em sua juventude por um padre. O sr. Saunders esteve entre os seis sobreviventes que o papa viu nesse encontrou inicial em julho de 2014 em sua residência no Vaticano.
Desde então, Francisco se reuniu com sobreviventes de abusos sexuais clericais somente uma outra vez. Isso foi em setembro de 2015 durante a sua visita à Filadélfia. Um grupo de sobreviventes da Austrália que viajou para Roma poucas semanas atrás para presenciar o depoimento via videoconferência dado por Pell à Comissão Real [australiana] para Respostas Institucionais ao Abuso Sexual Infantil tentou ter um encontro com o papa. Mas o grupo não teve sucesso.
O padre jesuíta Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, alegou que Francisco não recebeu o pedido para se encontrar com o grupo. Porém os australianos contestaram essa afirmação e mostraram uma cópia de um fax que haviam enviado à residência papal. Mesmo que os funcionários aqui – coordenados por Dom Georg Gänswein – não tivessem repassado o pedido para as autoridades competentes, é absolutamente impossível que o papa (ou, pelo menos, as pessoas próximas dele) de nada soubessem do desejo das vítimas australianas.
Quatro dias antes de o grupo voltar para a Austrália, a imprensa italiana informou o desejo deles de se encontrar com o papa. Não deveria sequer haver a necessidade de eles submeterem um pedido oficial. O Papa Francisco, famoso por seus telefonemas inesperados a pessoas simples e por ter a iniciativa de se encontrar com todos os tipos de pessoas possíveis, deveria ter estendido este seu convite para incluir os sobreviventes australianos.
Será que algum de seus assessores mais próximos o incentivou a agir assim? Se não, por que não houve um encontro entre ele e os sobreviventes? E o que feio feito do departamento jurídico especial “para julgar bispos em relação a crimes de abuso de poder quando conectado com o abuso de menores” que, em junho passado, seria criado dentro do tribunal da Congregação para a Doutrina da Fé – CDF?
Este setor não deu em nada.
Já se passaram nove meses desde que o anúncio foi feito e, no entanto, Francisco sequer nomeou o secretário ou alguém mais para supervisionar este novo departamento. Esse novo mecanismo do tribunal da CDF era para servir como prova de que o Vaticano estava sendo falando sério a respeito da responsabilização dos bispos em casos de má-conduta relativa a casos de abusos sexuais em suas jurisdições eclesiásticas.
Sem dúvida, houve uma forte oposição ao plano. E ele veio certamente também de dentro da própria congregação doutrinal. Afinal de contas, o seu prefeito, o Cardeal Gerhard Müller, fora denunciado repetidas vezes por fiéis em sua antiga diocese alemã de Regensburg por permitir que padres, sabidamente culpados de abuso sexual, permanecessem no ministério.
Mas a bem da justiça e de sua própria credibilidade, o Papa Francisco precisa superar esta oposição e este impasse. Caso contrário, os seus comentários concernentes à responsabilização dos bispos, coisa que ele fez no mês passado enquanto voltava da visita ao México, continuarão a soar como falsos.
“Um bispo que troca um sacerdote de paróquia quando se reconhece um caso de pedofilia, é um inconsciente, e o melhor que pode fazer é apresentar sua renúncia”, disse o papa. “Está claro?”, acrescentou ele, evidentemente para mostrar a sua seriedade.
Mas um papa pode também exigir uma tal renúncia. E se um bispo se recusa, ele pode trocá-lo. Isso não aconteceu, a menos que tenha sido feito secretamente, o que dificilmente é uma vitória para o princípio de transparência, que é o que está por detrás de tudo isso.
Cada vez mais, por causa de sua falta de ação, a muitas pessoas parece que, quando se trata da questão dos abusos sexuais infantis cometidos pelo clero, o Papa Francisco ainda não entendeu a mensagem.
A Igreja estará vazia sem elas
E provavelmente existem mais pessoas ainda que enxergam o papa argentino como, lamentavelmente, fora de contato com as problemáticas relacionadas às mulheres, especialmente a necessidade de criar mais áreas de participação para elas na vida e nos níveis de tomadas de decisão da Igreja.
Mesmo se deixarmos de lado a questão da ordenação feminina ao sacerdócio – ainda que ninguém na Igreja tenha um argumento teológico coerente e convincente a oferecer sobre o porquê elas não podem participar no presbitério –, existem tantas outras áreas onde se precisa desesperadamente da presença delas.
O problema acima mencionado dos casos de pedofilia é somente um exemplo. Se as mulheres estivessem envolvidas em forjar a resposta inicial da Igreja àquilo que agora estamos começando a entender se tratar de uma pandemia mundial em geral, provavelmente se teria lidado de forma diferente com as coisas e, provavelmente, ter-se-ia uma ação mais eficiente. Aqui estamos diante de uma área onde o “gênio feminino” e os “instintos maternais” singulares (que certos hierarcas gostam de apontar) teriam sido certamente úteis.
As mulheres ocupam cargos importantes na Igreja, na medida em que coordenam importante entidades prestadoras de serviços à comunidade, tais como escolas, hospitais e organizações de caridade. Alguns bispos possuem mulheres como secretárias executivas, chanceleres diocesanas, canonistas e professoras seminaristas.
Mas esta tal inclusão é deixada aos caprichos ou à engenhosidade de cada bispo.
Estruturalmente, as mulheres continuam sendo cidadãs de segunda classe na Igreja Católica. E qualquer menina de 10 anos de idade que (surpresa!) não tenha interesse algum na Igreja sabe disso: mesmo se a mãe dela ou sua avó, ainda tentando amar e permanecer nessa comunidade de fé, ache difícil reconhecer este fato.
O Papa Francisco tem a autoridade e o poder de mudar esta situação. E é melhor ele começar a fazer isso já.
Francisco vem sendo um papa inspirador, podendo contar com o apoio e a oração de tantos fiéis que querem – e precisam – desesperadamente que ele tenha sucesso em reformar e renovar a Igreja.
Mas se ele não encontrar um modo de fazer das mulheres cidadãs plenas nesta comunidade, dando-lhes uma voz igual em todas as áreas de tomada de decisão e serviço na Igreja, até mesmo aquelas (e aqueles) jovens que ainda se interessam no desenvolvimento espiritual e que nutrem o sentimento de pertença irão continuar a olhar para outros lugares.
[10]O Ano Quatro do pontificado de Francisco, o Bispo de Roma, está começando. Chegou a hora de ele abordar estas questões candentes.






















Francesco Antônio Grana se interroga:

Papa Francisco: o que restará desses três anos?

Pouco importa, em vez disso, se restará algo desses três anos de pontificado para os adoradores, por mera conveniência, do soberano de plantão. Curiais treinados há séculos a se ajoelharem a papas extremamente diferentes entre si: do paterno Roncalli ao introvertido Montini, do tímido Luciani ao vulcânico Wojtyla, do manso Ratzinger ao ciclone Bergoglio. O importante é ostentar o sorriso na frente, para depois apunhalar pelas costas.
O que restará desse pontificado pouco importa também para aqueles que sabem que, na lógica da alternância que há muito tempo vigora também na Igreja Católica, a um "papa midiático" segue-se um menos vendável na mídia de massa. Foi assim com Roncalli e Montini, depois com Wojtyla e Ratzinger, e também será com Bergoglio e o seu sucessor.
Decepcionados, talvez, ficarão os chamados reformadores, aqueles que elegeram Francisco para demolir a Cúria Romana, o seu poder, o seu centralismo, as suas burocracias em detrimento de um catolicismo pulsante e em forte expansão na Ásia, na América Latina e na África.
Decepcionados como os judeus de 2.000 anos atrás, que se encontravam escolhendo entre o pacífico Jesus e o revolucionário Barrabás. No fim, diante da rendição impotente do primeiro diante dos conquistadores romanos e das calúnias farisaicas, a escolha recaiu sobre o segundo que, embora com a espada, assegurava que satisfazia os ideais revolucionários dos rebeldes.
O que restará de um pontificado nascido de um gesto, o da renúncia de Bento XVI, inédito para a história recente da Igreja Católica. Um "reino", o de Francisco, feito de humildade e serviço, de vida compartilhada com os últimos; ontem, com os descartados de Buenos Aires; hoje, com os de Roma e do mundo.
Um papa que almoça à mesa com os empregados vaticanos, no refeitório da sua espartana residência da Casa Santa Marta, com os mendigos que dormem ao redor da Praça de São Pedro, com os presos dos cárceres do mundo, com os toxicodependentes com os quais recentemente compartilhou uma pizza. É um papa que, com o seu estilo de vida mais do que com as suas palavras, põe em discussão continuamente 2.000 anos de catolicismo.
Francisco faz mal para a Igreja de Roma? Há aqueles que estão profundamente convencidos disso e não têm sequer o pudor de esconder o seu pensamento. Pior se vestem as batinas filetadas de bispos e cardeais. Viu-se isso no recente Sínodo sobre a família com a carta dos 13 purpurados contra as possíveis aberturas do papa sobre os divorciados recasados.
Francisco faz bem para o mundo com os seus apelos concretos em favor dos migrantes e com o extraordinário sucesso diplomático do degelo entre Cuba e Estados Unidos, reconhecido pelas chancelarias de ambos os países? Três anos são muito poucos para traçar uma avaliação de um pontificado voltado a levar a Igreja, com a autoridade que merece, novamente para o cenário da geopolítica mundial. Aquela Igreja "perita em humanidade", como diria o Bem-aventurado Paulo VI na ONU, primeiro pontífice a falar nesse encontro, no dia 4 de outubro de 1965.
Depois de três anos de pontificado, enquanto o mundo está apenas começando a aprender, a amar, mas também a odiar Bergoglio, não é possível avaliar plenamente a sua bastante acelerada obra de reforma, em dois setores em particular: economia e pedofilia. Também não é possível dizer se o fato de ele levar o papel do papa ao de um normal bispo do mundo é realmente bom ou mau para a Igreja. Sabe-se lá se esse seu desejo de normalidade, de ir a uma pizzaria, de continuar tendo intimidade com os amigos de antigamente não levará, depois, o sucessor de um amanhã distante a voltar a colocar a tiara sobre a cabeça.
Três anos são decisivamente poucos para dizer o quanto Francisco incidiu realmente na Igreja, talvez muito pouco, e, no mundo, talvez realmente muito. O quanto Francisco desequilibrou o poder curial a partir de dentro, talvez quase nada, e pôs em discussão os párocos de todo o mundo que continuam expondo do lado de fora das suas igrejas as listinhas de preços para missas e sacramentos.
[11]Porém, para Albino Luciani, bastaram apenas 33 dias para afirmar a "revolução do sorriso" dentro da Igreja. Amado e odiado, Bergoglio rejeita a audiência, dentro e fora da Cúria Romana, e continua sendo um homem antes de ser papa.[12]

Digitou esse texto Ricardo Rodrigues de Oliveira, enfermeiro cuidador do autor. 





[1] IHU. 12/03/2016
[2] IHU. 12/03/2016
[3] L’osservatore Romano. 12/03/2016
[4] IHU. 14/03/2016
[5] IHU. 15/03/2016
[6] IHU. 15/03/2016
[7] IHU. 15/03/2016
[8] IHU. 15/03/2016
[9] IHU.15/03/2016
[10] IHU.15/03/2016
[11] IHU. 15/03/2016
[12] A continuar…

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