O padre Juan
Hernández Pico, SJ, publicou, em memoria do padre Frenando Cardenal, SJ, uma
biografia breve mas completa sobre seu co-irmão de ordem da qual tomei os dados[1].
Padre Frenando nasceu em Granada , Nicarágua no dia 26 de
janeiro de 1934. Seus pais, Rodolfo Cardenal e Esmeralda Martinez, foi o quinto
filho dos sete do casal. Foram eles: o mais velho deles, Rodolfo, casado com a
senhora Maria de Jesus Chamoro, pai e mãe de nosso companheiro Rodolfo Cardenal
Chamorro. Além de Ernesto, sacerdote e grande poeta, Maruca, Gonzalo, e depois
dele Esperanza e Rodrigo.
Seus primeiros estudos foram feitos no colegio Centro –
America. Ingressou na Comapnhia de Jeuss em 1952 em Santa Tecla. Realizou os
estudos de Humanidades e Filosofia em Quito (Equador), entre 1954-1961. Aí
contraiu uma fortíssima dor de cabeça que o acompanhou por toda a vida e contra
a qual lutou com grande fortaleza apesar de que, às vezes, era vencido por ela
e não tinha mais remédio a que se apegar.
De 1962 a 1964, fez seu Magistério no
Liceu Javier de Guatemala.
Estudou Teologia no México, D.F. de 1965 a
1968.
Foi ordenado sacerdote no dia 23 de
setembro de 1967.
Realizou a Terceira Provação em Medellín
(Colômbia), entre outubro de 1969 e julho de 1970, sendo seu instrutor o padre
Miguel Elizondo. Esta etapa se dava em um bairro marginal paupérrimo dessa
cidade. Seguindo o impulso de Elizondo e de acordo com o seu próprio
temperamento, visitou e se tornou amigo de seus vizinhos, que foram provocando
nele uma impressão inapagável ao ponto de, antes de retornar a América Central
fazer, diante deles e do Senhor, um juramento: dedicar “o que me restará de
vida à libertação dos pobres, à luta pela justiça por amor a eles”.
Seu primeiro destino foi o Colégio
Centro-América e, em seguida, a UCA (Universidade Centro-Americana) de Manágua,
como vice-reitor de estudantes. Em 1971, um número notável deles fizeram uma
greve para apoiar a luta contra o ditador Tachito Somoza e Fernando defendeu a
justiça de sua posição. O reitor, padre León Pallais, destituiu-lhe e o
expulsou da UCA. Fernando foi contratado como professor de filosofia na estatal
UNAN (Universidade Nacional Autónoma). O terremoto do dia 22 de dezembro o
encontrou em greve de fome, na Catedral, junto com numerosos grupos de
estudantes.
Com vários membros de sua comunidade se
transferiu para Bosques de Altamira. Em 1973, começou a colaborar com a FSLN
(Frente Sandinista de Libertação Nacional), vivendo sua decisão como
cumprimento de seu juramento e fundando e acompanhando o Movimento Cristão
Revolucionário de Jovens. Em 1977, foi cofundador do Grupo dos 12, apoiando a
rebelião sandinista até seu triunfo, tanto do exterior como na Nicarágua.
Somoza não se atreveu a tocá-los.
Com o triunfo da revolução, o Governo
Sandinista lhe pediu, em 1979, para organizar a Cruzada de Alfabetização e na
direção dela mobilizou milhares de jovens que trabalharam, de março a agosto de
1980, nos bairros marginalizados urbanos e nas comarcas camponesas, com
cartilhas criativas segundo o método de Paulo Freire. Já se combatia nos
territórios fronteiriços e na fronteira agrícola contra a Revolução.
Fernando
teve que manter a luta contra o analfabetismo apesar do assassinato de 7
brigadistas alfabetizadores e da crise de suas dores de cabeça. Em agosto de
1980, entregou ao Governo e ao país uma queda do analfabetismo de 59% para 12%.
Posteriormente, foi nomeado assessor do
Diretor da Juventude Sandinista, onde ajudou a forjar militantes que ainda
hoje, em sua maturidade, trabalham pela educação no país. Após uma Carta
Pastoral da Conferência Episcopal, em 1980, muito ao lado do esforço
revolucionário, promovida pelo Encarregado de Negócios, Pietro Sambi
(1938-2011), falecido como Núncio nos Estados Unidos, em 1981, os Bispos
começaram um enfrentamento à Revolução Sandinista e exigiram a retirada dos 4
sacerdotes que participavam do Governo. No aniversário do triunfo sandinista,
em 1984, o presidente Ortega anunciou a nomeação do padre Fernando Cardenal
como Ministro da Educação. Fortemente pressionado pelo Vaticano, o Padre Geral
Kolvenbach comunicou a Fernando que deveria deixar o Ministério que havia
aceitado ou deixar a Companhia. Fernando pensou, rezou, conversou com sua
comunidade e se encontrou com o Padre Geral, em Nova York.
Ali, comunicou-lhe que tinha objeção de
consciência, tanto para deixar a Companhia como para renunciar o serviço à
educação do povo, pelo Ministério. Não via como decidir por uma das coisas sem
trair sua consciência. O Padre Geral expressou sua convicção sobre a
autenticidade dessa objeção de consciência, mas lhe disse que a Companhia não
teria outro remédio a não ser seguir com o procedimento para expulsá-lo, uma
vez que o Vaticano não considerava conveniente aplicar a exceção prevista no
cânon 287, 2.
Mesmo assim,
o Padre Kolvenbach escreveu uma bela carta à mãe de Fernando expressando que
sua expulsão não era uma condenação do serviço profundamente cristão de
Fernando ao povo. A senhora Esmeraldita dizia que essa carta era “sua mais bela
joia”.
Fernando,
pois, foi expulso em 1984, mas o Provincial permitiu que continuasse morando na
comunidade, pois ele queria manter sua castidade e necessitava desse apoio.
Fernando trabalhou como Ministro e procurou aproveitar a experiência de
educadores com o perfil de Paulo Freire. Após a derrota eleitoral da FSLN, em
1990, Fernando foi crítico, junto com seu irmão Ernesto e outros, ao que se
chamou “a Piñata”, com membros do Partido se apropriando dos bens do Estado.
Fernando, Ernesto e outros fizeram parte de uma Comissão de Ética da FSLN. Seu
honesto relatório foi engavetado. Então, Fernando, Ernesto e outros renunciaram
como membros da FSLN, afastando-se de seu compromisso partidário.
Em 1996, o
Padre Kolvenbach, Geral da Companhia, atendendo ao pedido de Fernando para ser
admitido, recebeu-o novamente. É o primeiro caso de um jesuíta expulso e
recebido novamente. Fernando passou o ano de Noviciado que lhe foi demandado,
primeiro, em El Salvador, com a direção do padre Rafael de Sivatte, e fez, em
1997, seu Mês de Exercícios Espirituais no Instituto Centro-Americano de
Espiritualidade, na Guatemala. Fez seus “primeiros” votos, mais uma vez, no dia
15 de junho de 1997. De 1998 a 2000, trabalhou na pastoral da UCA e foi
acompanhante espiritual de jovens jesuítas no Juniorado-Filosofado, no Bairro
Edgar Munguía. Ali fez amizade com muita gente pobre. Em sua comunidade da UCA
de Manágua, nas tardes, continuou ajudando vinte famílias daqueles amigos, com
doações que recebia. A partir de 1999 passa a ser diretor da fundação Fé e
Alegria, na Nicarágua, e isso lhe deu o convencimento de estar cumprindo seu
juramento, dedicando sua vida a uma educação de qualidade aos pobres.
Esta obra
cresceu notavelmente, na Nicarágua, durante sua direção. Fez sua Profissão
definitiva no dia 24 de março de 2004. Faleceu em Manágua (Nicarágua), no dia
20 de fevereiro de 2016, após quase duas semanas de luta contra uma infecção
pós-operatória e uma vida de entrega à juventude e a serviço dos pobres.
Fernando foi uma pessoa de grandes
qualidades humanas e, como disse Iñaki Zubizarreta, seu superior duas vezes em
diferentes momentos de sua vida, um homem de Deus, que sempre se descobriu nos
jovens e especialmente nos pobres e no serviço a Jesus, na solidariedade com os
pobres. Viveu com paixão sua missão. Também definiu a si mesmo, em diversas
ocasiões, como um “homem de esperança”. Uma esperança que gastou com muita
gente. Seu velório na Capela de Guadalupe da UCA e enterro foram acontecimentos
multitudinários. Seu funeral foi presidido pelo cardeal Leopoldo Brenes,
arcebispo de Manágua, e nele Norma Elena Gadea, Katia Cardenal e Luis Enrique
Mejía cantaram a Missa Camponesa.
Para mim o
padre Fernando Cardenal foi um homem de Deus que viveu em consciência seu
compromisso mesmo à atos de perda de seu ministério e de sua expulsão da
Companhia de Jesus.
Digitou esse texto
Ricardo Rodrigues de Oliveira, enfermeiro cuidador do autor.
[1] IHU. Em memória do padre
jesuíta Fernando Cardenal, um homem de esperança. 27 de fevereiro de 2016
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