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*28/08/1935 † 14/03/2016
Causou grande tristeza
entre os seus leitores, principalmente da Revista Concilium, a notícia do
suicídio do grande teólogo latino-americano Virgílio Elizondo ocorrido no dia
14 de março do corrente.
A única suspeita séria como
motivo para essa atitude extremada teria sido uma acusação de pederastia datada
de 1983. Acusação, porém, só fora apresentada em 2015 e, parece, desprovida de
provas.
Padre Virgílio Elizondo
nasceu em San Antonio, Texas (EUA), filho de imigrantes mexicanos. Foi ordenado
sacerdote pela Arquidiocese de San Antonio em 1963. “Quando era jovem sacerdote
trabalhava em paróquias, mas em 1965, Dom Robert Lucey, então autoridade máxima
na arquidiocese, o nomeou diretor arquidiocesano para a educação religiosa”1.
“Elizondo era um defensor
dos trabalhadores americano-mexicanos mal pagos e explorados na Arquidiocese de
San Antonio no começo dos 1970. Foi ativo no trabalho televisivo, além de ser
considerado o principal intérpret da religiosidade latino-americana nos EUA
pela imprensa nacional e internacional”1.
Do padre Elizondo,
transcrevo a bela síntese sobre ele oferecida pelo padre Rosino Gibellini, que
tantas vezes se encontrara com ele2:
“Eu conheci Virgilio
Elizondo desde
1975, por ocasião do Encuentro
Latino-Americano de Teologia, realizado naCidade
do México em
agosto de 1975, sobre o tema Liberación
y cautiverio [Libertação e cativeiro], e rapidamente
surgiu a amizade. Amizade que foi se solidificando em diversas ocasiões e nas
mais variadas cidades do mundo, em concomitância dos congressos ecumênicos da ASETT (Associação Ecumênica
de Teólogos do Terceiro Mundo), aos quais eu era convidado como
observador convidado, e nas assembleias gerais anuais da revista internacional
de teologia Concilium,
na qual Virgilio Elizondo dirigiu durante anos a seção de "Teologia
prática" (com Norbert
Greinacher) e, posteriormente, a seção de "Teologia da
libertação" (com Leonardo
Boff). Na sua qualidade de teólogo mexicano-americano, sempre serviu
de ponte entre a teologia do Norte e a teologia do Sul.
Paul Tillich,
o teólogo alemão-americano, sintetizava a sua experiência de vida, que, da Europa,
o levara para osEstados Unidos da América, em um breve livro, On the Boundary [Na
fronteira] (1966), em que ele escrevia: "A fronteira é o melhor lugar para
adquirir conhecimento". A partir dessa experiência, nascia o método da
correlação entre revelação cristã e cultura, que encontrou expressão e
aplicação na grande Teologia sistemática.
Se a teologia de Tillich é uma teologia on the boundary, a teologia hispânico-americana, que
em Virgilio Elizondo tem o seu iniciador e o seu
representante mais conhecido, é uma teologia crossing borders, de
"cruzamento das fronteiras", que se faz intérprete de uma nova
realidade humana em fase de expansão. Devo aqui assinalar que o livro oferecido
em sua honra em 2000 traz o título Beyond
Borders [Além das fronteiras].
Lembro também que tinha
recebido como presente, nos anos 1970, o texto datilografado da tese doutoral
de Virgilio Elizondo,
defendida no Instituto
Católico de Paris, que tinha o título um pouco misterioso para
um europeu, Mestizaje,
texto que então confluiria no livro Galilean
Journey (1983), reeditado e ampliado no ano 2000.
Esse livro, além de descrever a viagem de Jesus
da Galileia, culturalmente mestiça, para Jerusalém, a cidade da
cruz e da ressurreição, indicava com a categoria de mestiçagem a promessa de
que eram portadores os mexicano-americanos.
O conceito de mestiçagem,
assim, tornava-se uma chave hermenêutica para reler o Evangelho, mas também
para reinterpretar a dinâmica da cultura; como expressou Jacques Audinet no prefácio da obra, "Elizondo aponta para uma nova fronteira. Os
seus pensamentos, naturalmente, o levam a tratar de uma mestiçagem
global".
A obra de Virgilio Elizondo mais lida na Europa é L'Avenir
est au Métissage (1987), que retoma com ritmo biográfico a
obra maior e que serviu para fazer conhecer à teologia europeia essa nova e
complexa categoria cultural e teológica.
O presidente do Senegal e escritor, Léopold Sédar Senghor,
salientou a convergência do discurso teológico de Virgilio Elizondo com a visão de Teilhard
de Chardin, que prospectava para o início do terceiro milênio a "civilisation de l’Universel". A edição
estadunidense do livro é intitulado The
Future is Mestizo: Life Where Cultures Meet [O
futuro é mestiço: a vida onde as culturas se encontram] (1988).
Com a sua atividade como
membro do Conselho de Administração da revista internacional de teologia Concilium,
publicada em sete línguas, Elizondo contribuiu, como é a vocação da american-hispanic theology, para construir uma ponte
cultural entre a teologia do Norte e a teologia do Sul . Entre os artigos
escritos na Concilium,
merece menção especial o texto The
New Humanity of the Americas [A nova
humanidade das Américas] (1990), em que se expressa da melhor forma possível
espírito, mestiço e universal ao mesmo tempo, de Virgilio Elizondo,
o seu sonho e a sua visão de uma nova humanidade das Américas como paradigma de
uma nova humanidade do mundo.
Sobre esse pano de fundo da
mestiçagem, do cruzamento de vida e cultura, coloca-se o seu belo livro sobre Maria,
intitulado Guadalupe.
Mãe da nova criação (1997/2000), que tinha sido antecipado por La Morenita:
Evangelizer of the Americas [La
Morenita: Evangelizadora das Américas] (1981), que é uma das interpretações
mais profundas da aparição de Nossa
Senhora de Guadalupe a Juan Diego sobre o Tepeyac,
em 1531, no início das Américas.
Nossa Senhora de
Guadalupe não é
apenas outra aparição mariana. O ícone que ela nos deixou no manto do índioJuan
Diego é a sua
presença viva, que expressa reconhecimento, acolhida, compaixão e proteção, e
marca o início de um processo de mestiçagem, como cadinho de povos e culturas.
Como escritor de
espiritualidade, pode-se lembrar de O caminho da cruz. A
paixão de Cristo nas Américas; e O Deus das surpresas.
Fundador do MAAC, Mexican-American
Cultural Center de San Antonio (Texas),
cidade estadunidense bilíngue,Virgilio Elizondo era um sacerdote ativo na pastoral,
ex-reitor por mais de uma década da antiga catedral de San Antonio;
diretor artístico da televisão San Antonio, Texas, que tinha uma grande
audiência nos EUA e na América
Central; e, desde 2000, também professor da Notre Dame University (Indiana, EUA),
onde foi aberto um centro de estudos para a cultura hispânica.
A revista Time tinha nomeado Elizondo como um dos "inovadores
espirituais" do novo milênio.
Adeus, Virgilio!
Repouse em paz. É um adeus, no luto e na oração, com afeto e gratidão pela
profunda e generosa amizade. Vou sentir a sua falta”.”
Citação:
1.
IHU ONLINE. Virgilio Elizondo. Morre
renomado teólogo latino. 16 de março de 2016.
2.
IHU ONLINE. Virgilio Elizondo, teólogo da
fronteira.Artigo de Rosino Gibellini. 29 de março de 2016.
Digitou este artigo Vinicius Maniezo Garcia enfermeiro e cuidador do autor.
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