quinta-feira, 17 de março de 2016

PAPA FRANCISCO: TRÊS ANOS DE PONTIFICADO (Serie 71 anos, 221°)


Maurizio Crippa vai ao cerne do pontificado, com o presente artigo:

“Depois de três anos, está mais claro por que esse papa não agrada a muitos”


Ele surgiu na Loggia das Bênçãos, anunciado pelo nome de Francisco sem números, disse "boa noite" e se apresentou como bispo de Roma. Três anos depois daquele 13 de março de 2013, a direção do seu pontificado reflete aquilo que se podia imaginar na escuridão chuvosa daquela noite. Mas, ao mesmo tempo, ela permanece fluida, distante de possíveis equilíbrios.
Em vez disso, estão mais claras e consolidadas, sem dúvida, as motivações daqueles que, com intuição precoce, tinham intuído que "esse papa agrada demais", para citar uma feliz manchete do Il Foglio, que depois se tornou o título de outro feliz livro (mas é justa uma citação: não se fala aqui das opiniões de Alessandro Gnocchi e Mario Palmaro, e de Giuliano Ferrara).
Um papa que agrada demais, em termos de teologia negativa, significa: esse papa justamente não agrada. Eis alguns motivos, com uma pequena limitação do campo: o fato de ele agradar a tantos "inimigos" da Igreja, de Scalfari a Obama, é totalmente irrelevante.
O primeiro motivo pelo qual Jorge Mario Bergoglio não agrada àqueles – dentro e fora da Igreja – que são afeitos a uma concepção do catolicismo como uma religião idealmente eurocêntrica é que Francisco não é um papa ocidental. Bastaria olhar para o carnê das suas viagens para entender isso. Não apenas porque ele é um homem do segundo mundo, que olha para o terceiro e para o quarto (embora a acusação de terceiro-mundismo é superficial demais para ajudar a entender).
Mas, acima de tudo, porque Francisco evita coincidir o catolicismo com a religião histórica de uma parte do mundo, e o interesse da Igreja com o do Ocidente político –, assim como foi por muitos séculos e em época recente, na primeira metade do pontificado de Karol Wojtyla.
Por conseguinte, não agrada a sua geopolítica, que olha para a Rússia e até para a China como fronteiras a serem abertas, em um mundo que, ao contrário, está se armando muito: para o campo ocidental, uma atitude que parece de entendimento com o inimigo. Bergoglio não agrada porque não considera que a Igreja é uma com o espaço filosófico e cultural da nossa tradição – o que, ao contrário, estava nas cordas de Joseph Ratzinger.
Quando ele diz que "não existe um Deus católico", ele diz o que pensa: que o cristianismo não é um fato imputável ao catolicismo europeu. Do Ocidente, não lhe interessam as guerras, se não em termos de hospitais de campanha a serem preparados. Muito menos lhe interessam as guerras religiosas.
Ele antepõe o cuidado dos migrantes a todo o resto: não é sem significado que os dois gestos mais autoevidentes dos seus três anos foram Lampedusa e Ciudad Juárez. Nem marxista nem peronista, o seu ser antimercantilista é outro motivo que desconcerta aqueles que estão habituados a ler a doutrina cristã como totalmente interna ao perímetro liberal.
Bergoglio não agrada porque não considera o mundo como um campo de batalha em que a Igreja está encarregada das retaguardas dos valores morais.
Quando ele afirma, na Laudato si', que "quando, na própria realidade, não se reconhece a importância de um pobre, de um embrião humano, de uma pessoa com deficiência – só para dar alguns exemplos –, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza" (n. 117), é claro que a moral sexual (dos outros) e a família monoparental – que ele também defende; em breve, chegará a sua exortação pós-sinodal sobre o tema – não são os únicos parâmetros de referência.
Também estão mais claros, hoje, outros motivos internos que imediatamente tinham criado alarme. O primeiro é que ele foi escolhido por um partido "não italiano" e não da Cúria, que, pela primeira vez, está realmente cedendo espaço. Pode ser que a reforma da Cúria permaneça como a grande incompleta do pontificado, mas é evidente que a consideração de Bergoglio pelas Conferências Episcopais locais é um sinal que será difícil apagar. Por fim, o desprezo pelo formalismo e pelo tradicionalismo o tornou insuportável para aqueles que leem nisso um perigoso sinal da crise da Igreja.
Pela primeira vez em muitos séculos, o papa aparece como um irmão de outro planeta em relação à agenda consolidada e (para muitos) tradicional da Igreja Católica. Como escreveu Alberto Melloni no jornal La Repubblica, no futuro, também poderia voltar um "Pio XIII" para colocar as coisas em ordem.
Enquanto isso, como se conta que Leão X, filho de Lorenzo, o Magnífico, disse a seu irmão Giuliano, quando se tornou papa: "Já que Deus nos deu o papado, desfrutemo-lo".[1]


Gianfranco Brunelli expõe sua posição com o seguinte artigo:

“Os três desafios dos três primeiros anos do Papa Francisco. Artigo de Gianfranco Brunelli”


Esperava-se uma referência. Mas não. Houve de menos e houve de mais. No domingo passado, em que caía o terceiro aniversário da sua eleição, o Papa Francisco não disse nada sobre si. Mas, no fim da recitação do Ângelus, fez com que se distribuísse à multidão dos fiéis presentes uma cópia do Evangelho de Lucas (que é lido neste ano durante a liturgia), intitulado: "O Evangelho de Misericórdia de São Lucas", com as obras de misericórdia corporais e espirituais apresentadas no apêndice.
O Evangelho e a misericórdia. Esse, o gesto. Essas, as palavras.
Recém-eleito papa, há três anos, pareceu claro desde logo que três eram as questões (os desafios) que, vindo do seu estilo pessoal, logo dariam forma ao pontificado e à Igreja. Tudo derivava da escolha do nome: Francisco. Uma escolha inédita, disruptiva, epocal.
No entanto, Bergoglio parecia, desde já, apoiar essa escolha tão arriscada com simplicidade, naturalidade, como se esse nome fosse realmente seu. As questões eram (e são) estas: a relação entre profecia e instituição; a reordenação simbólica da Igreja e o seu fundamento teológico; o efeito comunicativo e o risco do seu possível desgaste.
É inútil dizer que as três questões ainda estão em aberto. E assim vão permanecer por muito tempo. Mas pressionava e pressiona com urgência o Papa Francisco o fato de abrir processos, sabendo muito bem que não pod fechá-los.
Ele teorizou sobre o primado do tempo sobre o espaço. É preciso muita humildade, fruto de uma espiritualidade profunda, radical, que se confia totalmente a Deus e não confia nada nas próprias forças ou capacidades para fazê-lo. É preciso estilo (o estilo de Cristo) como forma de vida, mais do que a certeza de um princípio como forma de verdade.
A escolha de Bergoglio como papa e a sua escolha de assumir o nome de Francisco vinham depois da renúncia ao pontificado de Bento XVI, outra escolha de grande humildade e disruptividade, que atestava inequivocamente a profundidade da crise institucional (como crise de autoridade) da Igreja Católica, ou seja, o limite, o esgotamento de uma longa fase histórica na qual a abordagem dogmática tinha sido o pilar da forma da instituição eclesiástica.
A dialética profecia e instituição caracterizou e, talvez, sustentou toda a história da Igreja, em um processo de distinção quando não de contraposição. O Papa Francisco encarna simbólica e programaticamente ambas as dimensões. Uma por vocação, a outra por papel. E isso é inédito. Não mais apenas uma oportuna acolhida, mas a convicção de que só a profecia pode salvar a instituição. Ele percebeu tanto a mudança profunda em que desembarcou o mundo globalizado, quanto a crise do cristianismo, especialmente no Ocidente.
A escolha de Francisco é a de assumir até o fim o conceito de tradição e recuperar a escolha da Igreja das origens. Entre os séculos I e IV, a Igreja operou a escolha cultural e política (expressada teologicamente) de passar do querigma ao dogma. Do coração do anúncio evangélico aos princípios orientadores como forma da fé, em si imutáveis uma vez codificados, porque modificar a sua forma significa atacar a sua substância.
De uma abordagem cumulativa, preocupada em dar razão sempre, em todos os pontos da enunciação e da comunicação, do conteúdo dogmático da fé cristã a uma concepção processual e relacional, centrada na oferta do Evangelho de Deus: essa é a escolha histórica do Papa Francisco.
No centro do seu magistério, está isto: viver o Evangelho. Anunciá-lo com a vida. O Evangelho é possível porque toca o centro da nossa humanidade. Há uma correspondência profunda entre o centro da nossa humanidade e o centro da humanidade de Cristo, entre o mistério da existência e o mistério da salvação.
O anúncio da fé deve ser ressoado novamente, como se fosse a primeira vez, indo além das formas culturais predominantes que até aqui o expressaram. O forte impulso do magistério de Francisco à saída da Igreja de si mesma, da própria certeza de centralidade também mundana, configura talvez a única forma possível hoje com a qual a instituição pode renovar (e conservar) a si mesma.
O papa está convencido disso. Não basta conservar o passado nas formas do passado. Essa não é a tradição. O princípio não é o que sabemos e que nos permite explicar (e julgar) a história. Ele deve recuperar a "verdade" do Evangelho como "caminho" e como "vida". Não nos salvamos como instituição. Não basta a reorganização do sistema.
Por isso, a Igreja, segundo Francisco, deve ser humilde e pobre em espírito, de acordo com o mandato das Bem-aventuranças. A humildade das Escrituras, de fato, é a renúncia a existir fora de Deus. E sentir que tudo vem de Deus e da Sua graça é o único caminho que permite que a Igreja ainda seja credível, atraente e próximas das pessoas deste tempo.
A partir dessa escolha, decorrem outras escolhas: uma Igreja pós-ideológica, distante do poder e próxima de todos, começando pelos mais pobres. Uma Igreja livre para poder anunciar um Deus de misericórdia, que reconhece a historicidade das coisas, a precariedade das condições existenciais, mas que sabe dizer que se pode recomeçar, que está aberta a porta da renovação, apesar das falhas.
Uma Igreja que pode viver como povo de Deus, sujeito comum da fé e da evangelização. Quando o bispo de Roma, recém-eleito, pede que o povo reze e o abençoe, reconhece a sua subjetividade crente e orante. A eclesiologia do Papa Francisco, como eclesiologia de comunhão, agindo sobre a renovação do princípio sinodal, reequilibra a relação entre bispos e Pedro, entre Igreja local e Igreja universal.
Não menos difícil é o desafio da relação com a mídia. Não pondo entre si e a comunicação qualquer barreira ou qualquer filtro, o Papa Francisco, por vezes, corre o risco do mal-entendido e da superexposição, ou daquela que ele chama de "francisquite", uma espécie de consenso fácil, de aplauso muitas vezes acrítico.
Mas ele não parece se importar muito nem com um nem com o outro risco. Ele está convencido de que as pessoas o compreendem mesmo assim, graças à (e apesar da) mídia.
Francisco aceitou e propôs um desafio enorme, que certamente acelera a crise da instituição eclesiástica e que deve ser recomposta com a reforma da própria instituição. Mas ele não é um papa da instituição, é um pastor. Cinquenta depois do Concílio Vaticano II, um papa de nome Francisco, retomando o tema do primado da pastoral, retoma e implementa o estilo do Vaticano II, que não tinha nem simplesmente o caráter da doutrina dogmática sempre válida, nem o da disposição canônica, mas sim o de uma diretriz pastoral.
Ele pediu à Igreja, a todas as Igrejas que o sigam nessa renovação. Aumentarão as resistências e as dissimulações. Mas não parece haver outro paradigma.[2]




 Digitou esse texto Ricardo Rodrigues de Oliveira, enfermeiro cuidador do autor. 



[1] IHU. 16/03/2016
[2] IHU. 16/03/2016

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