sexta-feira, 11 de março de 2016

REAÇÃO DE BISPOS MEXICANOS AO PAPA FRANCISCO (1) (Serie 71 anos, 212°)


            Passada a visita do papa ao México, só agora aparece na imprensa a reação de alguns Bispos mexicanos ao duro discurso que o papa Francisco pronunciou ao episcopado mexicano, quando de sua visita à aquele pais.
            Primeiro, o editorial do semanário da Arquidiocese da Cidade do México, ‘Desde la Fe’, voz da Igreja Católica no país, que enfrenta a enorme controvérsia gerada pela muito dura reprimenda que o Papa Francisco fez a todos os bispos mexicanos, em seu encontro do último dia 13 de fevereiro, na catedral da Cidade do México. Este editorial se pergunta: Quem aconselhou mal ao Papa?”
            Diz o texto: Um capítulo a mais das evidentes más relações de Francisco com o cardeal Norberto Rivera e que levaram o Papa, segundo pôde saber El Mundo, a exigir que o núncio, Christophe Pierre, estivesse presente na maioria dos atos, para evitar o encontro direto com Rivera. Aquele encontro com os bispos, que inicialmente seria privado e que Francisco exigiu que fosse público, provocou feridas dentro do catolicismo mexicano.
No semanário, em uma calculada mensagem em que atira a pedra e esconde a mão, apontando o Papa e seu entorno, mas culpando os meios de comunicação de não saber interpretar a mensagem, a Igreja mexicana começa dizendo: “Analisando a mensagem que Sua Santidade pronunciou na Catedral do México, podemos ver como o Papa adverte sobre os riscos que os bispos de nosso país enfrentam diante do secularismo: opacidade, adormecimento, distanciamento, frieza, clericalismo, autorreferência, triunfalismo estéril e obscuridade que pode eclipsar a luz do Evangelho. E os chama a estar alerta”.
Em seguida, a Igreja mexicana começa a analisar o duro sermão dado pelo Papa, apontando aquela que foi a sua frase mais célebre, ainda que sem repeti-la em seu contexto e um pouco maquiada: “Foi a frase – Brigar como homens - a que repercutiu entre os comunicadores – impelidos mais pelo histrionismo midiático que pelo profundo significado das palavras – como uma forte repreensão aos pastores”, disse o editorial, para depois prosseguir estufando o peito: “Aqui, cabe se perguntar: o Papa tem alguma razão para repreender os bispos mexicanos? O que, sim, tem o Papa, está muito claro, é que a Igreja no México é um caso atípico em relação a outros países da América. Em primeiro lugar, em termos de porcentagens, nossa nação conta com a maior quantidade de católicos, com 81% da população em 2014, e é justamente por causa dessa ampla e sólida presença de católicos que nos distinguimos de outros países do continente”.
‘Os esquecidos’ do Santo Padre
De fato, neste aspecto evangélico, a Igreja volta a usar um estilo indireto para comentar os ‘esquecidos’ do Santo Padre: “Por outra parte, seria absurdo pensar que Sua Santidade desconhece a grande resistência que a Igreja Católica mexicana opôs à expansão das comunidades protestantes de marcas carismáticas e pentecostais, que, não obstante, propagam-se sem freio em outros países, especialmente da América Central”, diz o texto que recorda que a Igreja mexicana conta com quase um século “em que a ofensiva anticlerical e maçônica foi desapiedada”, para voltar a se perguntar: “Por acaso, o Papa Francisco desconhecerá isto, para repreender aos bispos?”.
Por último, após vários parágrafos onde só são utilizados termos soltos do dito pelo Papa e se mantêm as conquistas atingidas pela Igreja do México, a arquidiocese mexicana termina com um parágrafo no qual, sempre com perguntas, parece aceitar tudo o que se tenta negar anteriormente, que o Papa tenha repreendido duramente os bispos, e diz: “O Episcopado Mexicano está unido e disposto a enfrentar os desafios que Sua Santidade apresentou. Lamentavelmente, existe a mão da discórdia que tentou colocar os acentos negativos, parcializando a visão de Igreja e procurando influenciar no discurso pontifício para conseguir um efeito contrário no público, ao ressaltar desafios e tentações como males do episcopado. Não é assim. E, aqui, cabe a questão: por que procurar depreciar o trabalho dos bispos mexicanos? Felizmente, o povo conhece seus pastores e os acompanha na construção do Reino de Deus, seja ao preço que for, como foi ao longo da história deste país... Ou será que as palavras improvisadas do Santo Padre corresponderiam a um mau conselho de alguém próximo a ele? Quem aconselhou mal ao Papa?”, conclui.
Não foi ontem a primeira vez que a Igreja mexicana usa o semanário ‘Desde la Fe’ para analisar a visita do Papa, nem para destacar as falhas que houve de organização: “Os erros logísticos e a desorganização salientaram aspectos, incitando mais o protagonismo de responsáveis, desvalorizando a eficiência, desprestigiando o toque de impecabilidade no processo organizativo, poucas mãos concentraram muitas funções, colocando em risco a efetiva preparação e diligente cuidado que deveria ter correspondido a cada uma das dioceses visitadas pelo Papa”, dizia em seu editorial, no último dia 21 de fevereiro.
Críticas
Então, a Igreja atacava o Governo e os meios de comunicação, explicando que “não se importaram com os rigores, as privações e incômodos diante da feroz vigilância que sequestrou as cidades sede. Os exageradíssimos controles das autoridades causaram mais incômodos que benefícios. É certo que o Papa jamais desejaria reféns e mais reféns, longas durações de fechamentos de ruas e paralisação do transporte público. Tudo isto provocou perdas para trabalhadores e chefes de famílias, mas a fé do povo move montanhas”, disseram sobre o Governo.
A respeito dos meios de comunicação, o editorial dizia que “houve supostamente mestres da comunicação que ao invés de informar, induziram o público aos vícios de parcialidade, meias verdades, visceralidade e inflamações deformantes da opinião. Como mercenários, buscaram o lucro, privilegiando a desonestidade acima da verdade e equilíbrio profissionais. Sem um pingo de autoridade moral foram arremedo e figurino de julgamentos implacáveis, quando mordiam a própria língua frente à corrupção e desonestidade de seus atos, não vistos pelo público na tela pequena. Repórteres que, a qualquer preço, louvaram a excentricidade, privilegiando ataques e agressividade”.
A realidade, conforme pôde confirmar El Mundo, sobre o que em todo caso é um segredo de polichinelo, é que as relações entre o Papa Francisco e o cardeal Rivera são péssimas. O cardeal, ao se sentir relegado na viagem, colocou paus nas rodas, especialmente ao não mobilizar voluntários. O próximo capítulo será a rápida renovação da cúpula da Igreja mexicana, onde é provável que o desencontro se torne mais evidente.[1]



Depois disso, o Pe. Hugo Valdemar diretor de Comunicação Social da Arquidiocese da Cidade do México, afirmou que "o cardeal Rivera não tem nada que ver com as críticas ao Papa”. Eis a carta do Pe. Hugo:

Li com grande surpresa o artigo publicado no Vatican Insider, entitulado "O cardeal Rivera: alguém aconselha mal o Papa", o que me obriga a fazer de seu conhecimento os seguintes esclarecimentos.
O semanário Desde a fé da Arquidiocese do México não é a voz oficial nem da Arquidiocese nem de seu arcebispo, o cardeal Norberto Rivera Carrera. Os artigos editoriais são a opinião do Conselho Editorial, que preside um servidor, mas não podem ser atribuídos à autoria ou à opinião do Cardeal Rivera; em todo caso, o responsável por estas posições declaradas é um servidor, mas não o Arcebispo.
Por 13 anos, o Cardeal Rivera confiou-me a liderança de nosso semanário diocesano, e devo dizer que em nenhuma ocasião sequer deu-nos indicações do que escrever ou do que omitir, já que é extremamente respeitoso quanto à publicação e à liberdade de opinião. A partir desta perspectiva, considero que não é correto atribuir ao Arcebispo do México um desgosto por causa das palavras do Santo Padre na Catedral Metropolitana do México.
Quanto ao conteúdo do artigo, penso que você tem todo o direito de expressar qual é o seu parecer, como nós fizemos no editorial, sendo ainda assim muito respeitosos do Santo Padre, e sentindo-nos livres na Igreja universal para dar um ponto de vista diferente em que se aprecia o trabalho e o labor pastoral dos bispos mexicanos.
Ficaria muito grato que se faça conhecer por seus leitores este esclarecimento, e desejo-lhe todas as bençãos no Senhor".


e o jornalista italiano, Andrea Tornielli, vaticanista que pergunta: "Mas o semanário ‘Desde a fé’ que publica o editorial que critica o Papa por ser mal assessorado não é da Arquidiocese?"

-- -- --

            Entretanto o jornalista e vaticanista Andrea Tornielli contestou a resposta de Pe. Hugo com outra carta:

"Estimado Hugo,
quando recebi sua carta ocupei-me de atenuar o título e subtítulo do artigo, nos quais dizia-se, corretamente, que o editorial era anônimo e que não levava a assinatura do cardeal. Além disso, na versão em espanhol do artigo em questão, incluí imediatamente uma passagem muito significativa de sua carta.
Estava convencido de que a questão poderia dar-se por concluída com o acréscimo de seus esclarecimentos, mas, ao receber sua carta dirigida a mim e ao Vatican Insider, pude constatar que isso se converteu em um documento oficial, com o qual você, seu semanário diocesano (e teria que supor que também o arcebispo da Cidade do México) quiseram reduzir o alcance do texto anônimo publicado em 'Desde a fé'. Por esta atitude, pareceu-me necessário publicar integralmente a sua carta, e também algumas frases da resposta.
Você escreve que "O semanário Desde a fé da Arquidiocese do México não é a voz oficial nem da Arquidiocese nem de seu arcebispo". Mas no site do semanário lemos que sua visão é a de "posicionar o semanário arquidiocesano Desde a fé como uma voz autorizada da Igreja no México no espaço eclesial nacional e no discernimento de temas pastorais, teológicos e litúrgicos" (em sua conta no Twitter o semanário descreve-se desta forma: "Desde a fé. Órgão formativo e informativo do Arcebispo Primaz do México"; e em sua página do Facebook diz: "Desde a fé é uma publicação semanal editada pela Arquidiocese Primaz do México, e coordenada pelo Departamento de Comunicação Social da Arquidiocese do México (COSAM), onde sua missão é guiar na fé a comunidade católica do México e sua aplicação na vida cotidiana, bem como manter informada a Igreja Particular, procurando a informação e reproduzindo as mensagens referentes ao desenvolvimento das pastorais de conjunto").
Além disso, o artigo em questão (no qual, além disso, não expressei qualquer julgamento e no qual me limitei a reproduzir fielmente o seu raciocínio) era claramente delicado. Se o semanário da Arquidiocese da Cidade do México expressa suas críticas ao discurso que o Papa pronunciou diante dos bispos mexicanos (que dizem que o pontífice teria sido "mal informado"), é muito difícil para mim imaginar que estas expressões e esses julgamentos não reflitam o pensamento da autoridade diocesana."[2]

Outra avaliação, todavia, é a do teólogo Eleazar López Hernández que assim escreveu:
Ficamos totalmente embebidos com a visita do Papa Francisco ao México
Não resta dúvida que os seis dias em que o Papa Francisco esteve no México nos deixaram impregnados de gestos, palavras e contextos concebidos pelo próprio Papa e pelos demais atores da Igreja e da sociedade mexicana, com cada um cuidando e arvorando seus interesses de classe ou suas bandeiras de luta para chamar a atenção e pedir o olhar e a benção do visitante. Após essa enorme chuvarada de presença papal, é preciso analisar com calma o que nos deixa para o cotidiano esse fato extraordinário que ultrapassou nossas possibilidades imediatas de avaliação séria e profunda.
Evidentemente, há muitas interpretações da visita papal, pois cada ator social, político e religioso, tocado de alguma forma por Francisco, tira suas próprias conclusões e acomoda as diferentes mensagens verbais ou gestuais produzidas pelo Papa dentro de seus esquemas de vida. Aqui, a contribuição que quero dar centra sua atenção especialmente nas implicações que o fato terá para as comunidades indígenas, dado que é o meu âmbito de ação e colaboração.
É o momento de sentarmos para tirar conclusões mais sérias da visita papal
Assim como toda chuva torrencial que caiu em Cidade do México, durante os últimos anos, esta chuvarada de presença papal será captada e aproveitada de diferente forma pelos setores sociais e eclesiais que interviram. E é previsível que só tirarão maior proveito aqueles que previamente contam com canais por onde façam circular o fluxo de água deixado por este acúmulo de palavras, gestos e silêncios do Papa Francisco.
A verdade é que se torna difícil enquadrar o Papa Francisco nos esquemas que para nós funcionaram com os dois pontífices que nos visitaram antes dele. Porque não só sai do tapete vermelho que lhe puseram para cumprimentar as pessoas, como também intencionalmente quer apresentar uma Igreja que sai do seu fechamento dentro de templos e espaços de culto para dialogar com as pessoas da rua e dos âmbitos civis. E tão só por esse atrevimento, ele vai além da prática pastoral comum de toda a Igreja, e particularmente da Igreja mexicana, cujos bispos em sua maioria levam um estilo de vida e uma prática pastoral muito distante do povo e de suas lutas reivindicativas. Como consequência, o que fez e disse o Papa no México contrasta muito com o que ordinariamente fazem nossos pastores, salvo honrosas exceções.
Precisamente um destes excepcionais pastores comprometidos com as lutas populares comentou, durante a visita, que Francisco, seguindo a parábola do semeador, lançou a semente de sua palavra por todos os terrenos mexicanos e em cada um o efeito será diferente, não pela falta de clareza ou contundência do mensageiro, mas, sim, pela diversidade de atitudes dos destinatários, cujo coração pode receber, rejeitar ou ficar indiferente diante das abordagens do Pontífice.
Os ‘ganones’ – como dizemos no México – parecem ser, como sempre, os “donos do poder e do dinheiro”, assim como eram chamados pelo mártir e santo das causas populares da América, Óscar Arnulfo Romero. Ao menos isso é o que eles acreditam; mas, na verdade, o terreno destas classes poderosas e dirigentes do país é o mais endurecido e, inclusive, refratário à palavra papal por causa de seus interesses e preocupações muito distantes da ética estimulada pelo Papa. Eles certamente não deixarão que o dito pelo Papa penetre em seu solo e rapidamente, com o passar dos dias ou outros fatores ideológicos, farão com que desapareça por completo e continuarão suas vidas praticamente sem nenhuma conversão ou mudança importante e, além disso, sentindo-se, agora, abençoados pelo Santo Padre. Contudo, não se pode descartar em absoluto que talvez alguns poucos sintam certo desejo de limitar suas ambições ou ao menos dialogá-las ou negociá-las – como pediu o Papa – com os que eles representam ou com aqueles que são os seus trabalhadores, dependentes ou subalternos, já que “é pior deixar o futuro nas mãos da corrupção, da selvageria e da falta de igualdade” (Mensagem aos empresários e trabalhadores).
Por outro lado, os setores médios, onde também estão as religiosas e os sacerdotes que acompanham o povo, junto com a maioria trabalhadora que é mestiça e vive com rendimentos estáveis, conquistados honestamente, possuem mais possibilidades de assumir a palavra do Papa e de efetivar em suas vidas. Talvez só será necessário retirar algumas pedras e espinhos de seu terreno para que a semente semeada por Francisco germine, cresça e dê frutos que resultem em favor deste mesmo setor e que o torne mais próximo das classes mais empobrecidas, para começar a fazer alianças para construir juntos esse México sem violências, descartes e discriminações.
No entanto, aqueles que estão em melhores condições de assumir vitalmente as contribuições do Papa são os que pertencem à classe mais pobre, discriminada e abandonada do país, onde se encontram os enfermos, os presos, os jovens e os indígenas com quem o Papa se reuniu. Eles - como ancestralmente faziam seus antepassados, que percebiam no ‘teúl’ ou estrangeiro que chegava o retorno de seu Deus Quetzalcóatl - viram no Papa um 'teopízcatl', ou seja, uma presença divina que veio em auxílio de suas necessidades para restaurar a harmonia do bem viver e conviver. Pela visão e atitude teológica que caracteriza os pobres do México, marcados agora pela espiritualidade guadalupana, na verdade, eles são os únicos que acreditam na transcendência dos fatos que marcam esta visita papal.
Contudo, além disso, entre estes pobres, os que resistem organizados em comunidades indígenas ou em processos concretos de luta pela vida já contam, desde antes da presença do Papa, com caminhos operativos por onde canalizar a energia dos momentos propícios – que nós, cristãos, chamamos de ‘kairós’ e os andinos de ‘pachakutik’ – como o gerado por Francisco com seu trajeto em grande parte do território nacional.
Francisco se encontrou com indígenas que estão na luta
No setor dos empobrecidos, a presença indígena se distingue por muitas razões. Em primeiro lugar, por ser, há séculos, o mais pobre, espoliado e maltratado e, por isso, encontra-se encurralado na periferia das periferias sociais do México. Mas, em segundo lugar, também porque são aqueles que longamente resistiram ao embate dos projetos dominantes que lhes foram impostos, sendo que aprenderam a se movimentar dentro da Besta, como diz o Apocalipse, e souberam sobreviver à grande tribulação, conservando suas flores que são suas verdades e suas concepções de vida que não guardam para eles próprios, mas que, assim como Juan Diego, buscam compartilhar com os demais membros da sociedade e da Igreja, para construir um México com justiça e dignidade para todos.
O Papa Francisco, mesmo quando não conhecia suficientemente esta realidade dos povos indígenas, percebeu muito rápido a riqueza que eles portam em suas culturas, sabedorias e práticas ancestrais. Um elemento fundamental dessa sabedoria indígena é o que o Papa retomou e lançou ao conjunto da sociedade e da Igreja em sua encíclica Laudato Si’: o cuidado com a mãe terra como casa comum da humanidade e matriz da vida que devemos cuidar e proteger.
Vir ao México para saudar a Moreninha do Tepeyac, sem se encontrar com Juan Diego e com os prediletos de Deus que são os pobres, seria uma contradição. A Virgem de Guadalupe só se compreende na totalidade ao lado daqueles que são os mensageiros dignos de toda confiança da Senhora do Céu, aqueles que assumem em sua vida o projeto de sociedade que ela apresenta: construir uma ‘teocátzin’, ou seja, uma digna casa de Deus e do povo, onde, como disse Ela, sejam escutados todos os lamentos, misérias, penas e dores do pobre e para ele se demonstre e dê todo o amor, compaixão, auxílio e defesa que merece. Isto foi muito bem captado por Francisco, por isso pôde dizer, já em sua chegada, que as duas principais riquezas com as quais se deve “pensar e projetar um futuro, um amanhã para o México”, são sua cultura e sabedoria ancestral e o capital humano majoritário de seus jovens.
Por isso, procurou por estes atores sociais. E reuniu-se com os indígenas colocados em pé dentro da sociedade e da Igreja mexicana, no dia 15 de fevereiro de 2016, em San Cristóbal de las Casas, lugar emblemático pela construção da Igreja autóctone, iniciada por Tatic Samuel e pelo levante zapatista de 1994. Estando com os indígenas, Francisco estimulou a sociedade mexicana a “fazer um exame de consciência e aprender a dizer: Perdão” aos indígenas, porque no passado e no presente, “muitas vezes de modo sistemático e estrutural, seus povos foram incompreendidos e excluídos da sociedade... seus valores, sua cultura e suas tradições foram considerados inferiores... foram despojados de suas terras” por causa do poder, do dinheiro e das leis do mercado.
Apesar das limitações colocadas por aqueles que se opõem à causa indígena, as irmãs e irmãos que conseguiram se aproximar do Papa descobriram que Francisco, ainda que tenha vindo de muito distante, pôs o coração “perto de nosso coração”, percebeu nossas flores e espinhos que nos aguilhoam; ouviu a “nossa alegria e nossos sofrimentos com as injustiças que padecemos, com a dor de nossos enfermos, com nossas crianças, jovens e anciãos, e com nossa esperança em Cristo ressuscitado”. Recebeu nossas propostas e nossa ação de graças “por ter chegado a nossa terra”, porque “ainda que muitas pessoas nos desprezem, você quis nos visitar” (Palavras indígenas ao Papa).
Nesse encontro, o Papa se envolveu com as vivências indígenas tradicionais de oração e até fez uma reflexão teológica como se faz nas línguas e esquemas próprios dos povos. Em resumo, nos indígenas fica a convicção de que o Papa os reafirmou na “certeza de que ‘o Criador não nos abandona, nunca recua em seu projeto de amor, não se arrepende de ter nos criado”. Ao final, também reabilitou o nosso principal companheiro de caminho, visitando a sepultura de Dom Samuel, tendo ao seu lado Tatic Raúl, que iria ser o sucessor. Por isso, “com nosso coração agradecido - literalmente cheio de flores -, dizemos: Tatic Francisco, muito obrigado!”.
Os indígenas não foram – como parece que aconteceu em outros lugares visitados – um tema a mais da problemática social mexicana sobre a qual o Papa reflete e, em seguida, convoca a Igreja local a se comprometer. Os indígenas, independentemente da vinda do Papa, desde antes já eram interlocutores forjados em uma longa luta de resistência. E com eles, Francisco quis pessoalmente se reunir desde que soube da caminhada deste setor do povo e da Igreja mártir de San Cristóbal de las Casas. Segundo relatam os bispos do lugar, “foi uma decisão sua, conforme disse àqueles que comeram com ele. Disse-lhes que havia escutado muitas coisas sobre nossa diocese e que queria vir pessoalmente conhecer mais de perto nossa realidade” (Carta dos Bispos de San Cristóbal, 20 de fevereiro de 2016).
No entanto, como era de se esperar, o encontro não aconteceu sem espinhos e contrariedades. Os bispos da Diocese de San Cristóbal acabam de tornar público que “continua doendo em nosso coração o fato de que muitos de vocês, indígenas e mestiços, de perto e de longe, não puderam entrar no lugar onde foi celebrada a Missa, apesar de ter chegado muito cedo, de ter o seu ingresso e de ter feito um grande esforço para chegar. Não sabemos se foi só desorganização do Estado Maior Presidencial, de quem dependeu o ingresso, ou se houve outras intenções perversas e excludentes. Foi injusto, desumano, inexplicável e muito doloroso o que aconteceu. Isto não dependeu da diocese, mas, sim, das autoridades civis federais” (ibidem).
O presbitério dessa diocese ampliou a informação ao escrever em uma carta aberta: “Com indignação queremos destacar que também houve tristeza, raiva, irritação, aversão, lágrimas e frustração porque não deixaram milhares de irmãs e irmãos indígenas e mestiços locais e de fora, sacerdotes, leigos, leigas e religiosas participar de tão aguardado encontro”. E destacam diretamente: “o governo com suas polícias armadas bloquearam a passagem de milhares de peregrinos que tinham chegado um dia antes e que estavam em San Cristóbal com muitas horas de antecedência, não lhes permitindo o acesso ao evento”. E se questionam: É possível que o governo tenha desejado impedir que houvesse êxito neste encontro e festa? É possível que o governo mexicano tenha desejado enlamear a caminhada da Diocese de San Cristóbal? E concluem: “Lamentamos que o governo tenha causado este sofrimento, indignação e irritação. Com isto manifesta que a presença de nossos irmãos e irmãs indígenas o incomoda, atrapalha este sistema de governo” (Carta do Presbitério da Diocese de San Cristóbal de las Casas, 20 de fevereiro de 2016).
De maneira tal que há fundamentos para suspeitar que tenha ocorrido intervenções mal-intencionadas e até perversas atribuíveis ao governo federal e estatal, unidos aos poderosos locais, que implementaram deliberadamente medidas de controle para calar a voz indígena e diminuir, a nível nacional e internacional, a importância de seu encontro com o Papa.
No entanto, ainda que esta ingerência prepotente nos atos do Papa, não só em Chiapas como também nos demais lugares visitados, tenha conseguido encher com antecipação ou com acessos preferenciais os espaços principais com pessoas ligadas aos seus interesses e tenha impedido o acesso de milhares de indígenas, o encontro aconteceu e os frutos aguardados serão muitos, pois as comunidades indígenas, como já foi dito, têm como captar em suas cisternas antigas e modernas o fluxo de vida impulsionado pela presença papal. Por isso, os bispos de San Cristóbal podem afirmar: “a recente visita do Papa Francisco em nossa diocese foi uma graça da misericórdia de nosso Deus Pai, que quer estar perto de suas filhas e filhos, para nos dizer que não estamos sós, que Ele nos ama e que a Igreja quer ser e estar junto daqueles que mais o necessitam” (carta já citada).
O que vem agora?
O que acontecerá com as mensagens do Papa ao México? Com o que ficaremos para reorientar nossa vida? Isto já não é responsabilidade do Papa, mas, sim, de nós mexicanos. O Papa já cumpriu sua tarefa aqui. Como mensageiro da paz já espalhou a semente de Deus por todos os lados. Depende de nós que ela germine, cresça e dê fruto. Os poderosos civis e eclesiásticos dificilmente vão tentar mudar sua perspectiva ideológica e, certamente, muito rápido, esquecerão as mensagens papais. São os demais setores da sociedade e da Igreja mexicana, a classe média e trabalhadora e, sobretudo, os leigos que tomarão em suas mãos as mensagens papais e trabalharão para efetivar em suas vidas esses ideais.
Essa luta pela vida do povo pobre do México é o que continua em pé, após a visita do Papa Francisco! Com sua benção e, sobretudo, com nosso compromisso inabalável, seguirá ativa a esperança para que logo chegue esse novo amanhecer do México, apontado pelo próprio Papa “como um novo horizonte de possibilidade que é, inevitavelmente, portador de justiça e de paz” (Discurso no Palácio Nacional).[3]

Digitou esse texto Ricardo Rodrigues de Oliveira, enfermeiro cuidador do autor. 



[1]  IHU. 10/03/2016
[2] IHU 11/03/16
[3] IHU. 11/03/16

Nenhum comentário:

Postar um comentário